Sem sintonia - o uso do rádio nas ADs
Já se tratou neste blog sobre as complicadas relações entre as AD e as mídias eletrônicas. Ao verificar a quantidade de igrejas usuárias das redes sociais, alguns crentes do século XXI sequer imaginam como foi penoso o caminho percorrido até esses novos tempos de liberdade midiática.
As primeiras discussões na CGADB sobre o uso da rádio aconteceram em 1937. Dez anos depois, o missionário norte-americano Lawrence Olson iniciou os programas evangelísticos na Rádio Cultura de Lavras, MG. Em 1955, na Convenção Geral em Belém, foi levantado e orado sobre a possibilidade de as ADs conquistarem sua própria emissora de rádio.
Através da revista A Seara, o uso da radiodifusão era incentivado. No periódico, as colunistas Cyléa Corrêa e Ivanilde Antunes tratavam do assunto com a divulgação de programas já existentes entre as igrejas e textos defendendo os benefícios de as ADs possuírem uma emissora de alcance nacional (ler aqui). Inclusive, o missionário norte-americano Lawrence Olson também foi entrevistado para falar de suas experiências com a mídia.
Na CGADB de 1962, realizada em Recife, PE, o tema foi apresentado pelo pastor Rodrigo da Silva Santana, da AD em Salvador, BA, que levantou a seguinte questão: “Como fazer para as Assembleias de Deus no Brasil manterem um programa oficial radiofônico diário em uma potente emissora?”.
Sem os convencionais chegarem a um consenso, foi criada uma comissão com pastores que já possuíam experiência em programas de rádio. O parecer da Comissão do Rádio, apresentado pelo pastor Alcebíades Pereira de Vasconcelos, não chegou a uma definição da questão, pela sua complexidade, mas deu algumas orientações, como: orar por uma emissora, incentivar a criação de outros programas de rádio e enviar os endereços das emissoras para divulgação nos periódicos da CPAD.
Naquele momento histórico, as ADs sofriam a pressão das igrejas pentecostais da “segunda onda” do pentecostalismo, surgidas nas décadas de 1950 e 60, que investiam nos programas de rádio e cresciam velozmente nas grandes cidades. A Igreja do Evangelho Quadrangular e a O Brasil para Cristo conquistavam seu espaço através de campanhas evangelísticas e pregações nas emissoras de radiodifusão.
Não foi por acaso que as discussões sobre os investimentos em programas radiofônicos fossem mais frequentes dentro das ADs. Todavia, o projeto de uma emissora própria esbarrava na oposição de muitos líderes, que ainda excluíam membros das congregações por possuírem a perigosa “caixa mágica de som”.
Para ficar somente num exemplo conhecido, temos o caso do pioneiro do radio evangelismo em Pernambuco, Paulo Fidelis (ler aqui). Em 1966, em Jaboatão dos Guararapes, Fidelis iniciou o programa “O Semeador”; porém, o pastor regional era contra o uso do rádio para evangelização. O apresentador não foi excluído da Igreja, mas “os membros da Igreja eram orientados a não ouvir o programa” — destacou Alexander Fajardo em sua dissertação de mestrado.
Curioso é que foi justamente em Pernambuco que a discussão sobre a possibilidade de as ADs terem um programa ou emissora de alcance nacional foi debatida. Ali discutiu-se um provável projeto de mídia e de incentivo à radiodifusão, que poderia incrementar a evangelização no país. Mas, por ironia do destino, nas mesmas terras pernambucanas, o líder estadual incentivou a igreja a boicotar o trabalho do irmão Fidelis.
Numa liderança plural como a das ADs, nem sempre todos estavam na mesma sintonia…
Fontes:
A SEARA, Revista Evangélica Ilustrada, ano II, nº 04, V. 05/julho e agosto de 1957.
ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.
ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022.
FAJARDO, Alexander. A atuação dos evangélicos no rádio brasileiro: origem e expansão. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Dissertação de Mestrado, 2011.
FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.
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