Jurisdição Eclesiástica - subsídios históricos (2ª parte)

Na postagem anterior (ver aqui), viu-se que o conceito de jurisdição eclesiástica ou campo, afetou o relacionamento dos Ministérios das ADs. Vários debates nas Convenções Gerais foram marcados por esse tema, também conhecido pejorativamente como “invasão de campo”.

Em geral, o Ministério de Madureira, segundo a história oficial, estava no centro das discussões. A implantação de congregações ligadas ao pastor Paulo Leivas Macalão incomodavam outras ramificações assembleianas. Tanto, que na CGADB realizada em Santos, SP, em 1953, em meio às discussões sobre os trabalhos abertos no litoral paulista por Madureira, o pastor Alfredo Reikdal propôs a retirada do Ministério carioca de São Paulo, para ele “a base de toda a discórdia”.

No caso específico do litoral paulista, Macalão negociou a entrega das igrejas para a AD em Santos. Mas a expansão das ADs, principalmente Madureira, se dava por várias regiões, nem sempre de forma organizada, pois nos primórdios cada crente era um evangelista e com pouquíssimos recursos abria-se uma congregação pentecostal. O conceito de jurisdição eclesiástica ainda era algo incipiente.

Assim, o diácono Antônio Moreira formou uma AD ligada a Madureira em Goiânia em 1936; e o próprio casal Macalão nesse mesmo ano visitou a cidade de Raul Soares, no interior mineiro, e após muitas perseguições, conseguiram abrir uma congregação no local. E não muito distante dali, o farmacêutico Waltair Gomes de Matos, convertido na AD em São Cristóvão, no Rio, em 1938, voltou à cidade de Espera Feliz e começou uma congregação supervisionada, a pedido dele, por pastores do estado do Rio de Janeiro. Nessa mesma época, o missionário sueco Algot Svensson lutava para expandir a AD em Belo Horizonte.

Congregação da AD Ipiranga no Irajá, em 1952

Mas com o processo de “ministerialização”, ou seja, a formação de grandes igrejas com suas redes de congregações em contínua expansão, as desavenças ganharam corpo. Logo muitas cidades receberam várias ADs sempre identificadas com o nome do Ministério abaixo do nome da denominação.

Mesmo com tantas polêmicas de “invasão de campo”, a determinação divina para alguns Ministérios (Madureira principalmente) era “alargar as tendas", evangelizar, ganhar almas para o Reino de Deus e cumprir o “Ide” de Jesus. Nesse aspecto, a política eclesiástica engessava a obra de evangelização e missões. Porém, no imaginário assembleiano, o Ministério de Madureira é a grande “invasora” de campos alheios. Mas há casos comprovados na história de outros Ministérios inserindo-se em regiões para além de suas fronteiras originais.

Exemplo disso foi a expansão do Ministério do Ipiranga, SP. Sob a liderança do pastor Alfredo Reikdal, implantou-se congregações no estado do Rio de Janeiro. Em 1950, a “Assembleia Apostólica Cristã Pentecostal” em Vila Mury, Volta Redonda, RJ, ligou-se fraternalmente a AD em São Paulo através de Reikdal.

Tempos depois, em abril de 1952, Reikdal, juntamente com o pastor João Jesuíno da Silva e o evangelista Severino Batista de Araújo, evangelizou o bairro de Irajá, no Rio. O resultado desse esforço evangelístico foi a abertura de uma congregação e mais quatro pontos de pregação.

Sim, o mesmo Reikdal que pediu a saída de Madureira de São Paulo, cravou uma igreja no Rio. Detalhe: em fevereiro de 1952, João Jesuíno foi excluído do próprio Ministério de Madureira. Reikdal também abriu e recebeu igrejas do estado de Goiás, na década de 1960 e abriu congregações em Minas Gerais.

Percebe-se, que o conceito de jurisdição eclesiástica poderia ser bem elástico e adaptado nos debates convencionais. Melhor foi a solução dos pastores Alcebíades Vasconcelos e Paulo Macalão, no final da década de 1950. Reunidos no escritório da AD em São Cristóvão, no Rio, como dois generais e um mapa do Brasil sobre a mesa, delimitaram suas respectivas áreas de atuação.

Onde Madureira estava, São Cristóvão não abriria congregação e vice-versa. Sabedoria salomônica!

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

COHEN, Eliezer. E Deus confirmou os seus passos: biografia do pastor Alfredo Reikdal. São Paulo: s/e, 2006

BORGES, Jonas. Firmino Gouveia, um empresário de Deus: sua vida e sua obra. Belém: Semin, 1997.

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

COSTA. Moab César Carvalho. O Aggiornamento do Pentecostalismo Brasileiro: as Assembleias de Deus e o processo de acomodação à sociedade de consumidores. São Paulo: Recriar, 2019

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

HOOVER, Thomas Reginald. Gustav Bergstrom: herói anônimo. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

TÉRCIO, Jason. Os Escolhidos - a saga dos evangélicos em Brasília. Brasília: Coronário, 1997.

Comentários

  1. Ótimas informações. Vamos ampliando nosso cnonosso conhecimento e esclarecendo pontos divergentes.

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  2. Pastor Alfredo Reikdal era um visionário !!! Visitei uma grande igreja Assembléia de Deus do Ipiranga em Fortaleza - CE !!! E a igreja estava lotada em franco crescimento !!!

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