O Centenário da AD no RS - o "velho preto" José Corrêa Rosa

A historiografia de Porto Alegre por muito tempo privilegiou os açorianos e estancieiros como os sujeitos principais da construção da cidade. Ao destacar esses grupos, outras etnias ficaram esquecidas das crônicas da capital gaúcha.

Porém, ao revisitar a história da AD em Porto Alegre, o leitor se deparará com os locais e habitantes inusitados da “capital dos Pampas”. Exemplo disso foi a abertura da primeira congregação na Bacia do Mont’Serrat, um povoado de população negra que encontrava-se na região da Colônia Africana. [leia aqui]

O primeiro convertido da igreja, segundo os relatos do missionário Gustavo, foi “um pobre velho preto” chamado José Corrêa da Rosa. Legítimo representante da população de afrodescendentes jogada à própria sorte após a abolição da escravatura no Brasil, Rosa era um ex-escravizado que encontrou na igreja uma nova fé e transformação de vida.

Visão geral da Bacia do Mont’Serrat


Nordlund relatou que José “era analfabeto, mas era admirável como ele entendia as pregações”. As prédicas e hinos eram guardados por ele no coração e seus testemunhos (principalmente sobre o sangue de Jesus e a sua segunda vinda) alegravam toda a igreja.

É importante destacar, que Movimento Pentecostal em seus primórdios oferecia na sua teologia oral e com forte ênfase nas experiências, possibilidades de participação para os crentes não letrados através dos seus testemunhos e cânticos.

Mesmo analfabeto, José aprendia as doutrinas pentecostais nas pregações e nos hinos congregacionais. E quanto mais absorvia esses ensinamentos, maior o seu repertório para novos testemunhos. Da condição de marginalidade e preconceito social, Rosa passou a ser “cidadão do céu” e “irmão em Cristo".

Por isso a alegria do “velho preto” ao ser batizado nas águas junto com o filho do casal de missionários, o garoto Herbert: “Ó irmãozinho, nós fomos batizados juntos” 一 regozijava-se ele diante de mais sete novos convertidos da igreja. Nordlund destacou que depois da “conversão de José Corrêa, outros também se entregaram ao Senhor Jesus”.

José Corrêa Rosa faleceu aos 85 anos de idade, no dia 09 de setembro de 1933, portanto, ele nasceu em 1848, antes da Lei Eusébio de Queirós de 1850 (que pôs fim ao tráfico de escravizados), da Lei do Ventre Livre de 1871 (que dava liberdade a partir daquele ano, as crianças nascidas de mães escravizadas).

Também não foi “beneficiado” pela Lei dos Sexagenários de 1885 (que libertava os escravizados com mais de 65 anos). Talvez só tenha conseguido a tão sonhada liberdade com a Lei Áurea de 1888. Todavia, a “liberdade”, para os ex-escravizados não resultou em integração social.

Assim, a conversão de José Rosa revelou o que o movimento pentecostal fez na vida de tantos outros da mesma condição social e étnica. Deu aos excluídos um senso de pertencimento e os elevou à condição de filhos de Deus; democratizou o acesso aos dons espirituais e aos testemunhos.

Fontes:

CORDOVA, Tiago de. Os pioneiros: da Suécia ao Rio Grande do Sul: história do centenário das Assembleias de Deus no Rio Grande do Sul (1924-2024) / Tiago de Cordova. ― Ijuí, RS: Ed. do autor, 2024.

POMMERENING, Claiton Ivan. Fábrica de pastores: interfaces e divergências entre educação teológica e fé cristã comunitária na teologia pentecostal. 2015. 219 f. Tese (Doutorado em Teologia) - Faculdades EST, São Leopoldo, 2015.

SOUZA FILHO, João de. O Minuano do Espírito: História do Movimento Pentecostal no Rio Grande do Sul, 1ª edição ― Sarzedo, MG: JRC Empresa Jornalística e Editora, 2024.

VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021.

VINGREN, Ivar (Org.). Despertamento apostólico no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1987.

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