O Centenário da AD no RS - a Bacia do Mont’Serrat.
Ao revisitar a história dos primórdios da AD no Rio Grande do Sul, especificamente em Porto Alegre, pode-se compreender a importância do pentecostalismo diante das condições sociais dos primeiros locais de evangelismo da família Nordlund.
Como se viu na postagem anterior [ler aqui], os Nordlund chegaram a Porto Alegre em 1924, onde instalaram-se numa casa “com o reboco caído aos montões por todos os lados” e com as tábuas do chão da cozinha podres. Com as malas e uma toalha, os missionários improvisaram um sofá.
Depois de dois meses de muitas orações e lutas (poucos recursos e difamações), os suecos alugaram um pequeno salão com capacidade para 25 pessoas, na rua Maryland, no bairro Mont’Serrat, região próxima ao Centro Histórico da capital gaúcha. Nordlund humildemente descreveu o local como o “mais simples” para o mundo.
Depois de tudo pronto, a família saiu às ruas para convidar as pessoas para o primeiro culto. Foi uma peregrinação pelas ruas do Mont’Serrat, que naquela época, estava muito longe de ser o bairro elitizado e um dos mais valorizados de Porto Alegre.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, o Mont’Serrat era um povoado majoritariamente de população negra, que após o fim da escravidão buscou no local moradia e liberdade religiosa. Não só a pobreza imperava no bairro; o preconceito contra os moradores da região também era generalizado.
Exemplo disso foi o texto de um famoso cronista de Porto Alegre, que classificou os moradores do Mont’Serrat como “despreocupados”, “estirados em barrancos” e “filhos de Cam”; alusão equivocada da Bíblia sobre as origens dos povos africanos e, supostamente, da maldição que recaiu sobre eles.
E mais: ao andar pelas “desprotegidas ruas”, o escritor em tom irônico descreveu o bairro com uma “paisagem sui generis”, ou seja, as pessoas daquele arraial estavam fora dos padrões civilizatórios das áreas burguesas de Porto Alegre. Andar pelo Mont’Serrat era submergir na antiga Colônia Africana da cidade.
Pode-se imaginar o estranhamento dos suecos diante dessa “paisagem sui generis”. Enquanto evangelizavam, deparavam-se com os “despreocupados” e “estirados em barrancos” a vagar pelas vias. Vias essas com seus “valões” de onde subia a fedentina do esgoto a céu aberto.
Admiravam-se das numerosas “casas de batuque” espalhadas pelos caminhos. Curiosidade: o bairro era chamado também de “Bacia” do Mont’Serrat devido a concentração de terreiros de uma mesma linha religiosa. Os missionários estavam no campo geográfico e espiritual do inimigo.
Assim, foi emblemático que a primeira pessoa a aceitar Jesus, segundo o relato de Gustavo Nordlund, foi “um pobre velho preto” vestido com uma capa militar verde de nome José Corrêa da Rosa. A mensagem do pentecostal transformava os “filhos de Cam” em filhos de Deus batizados com o Espírito Santo e herdeiros das riquezas celestiais.
Outros cantos e sons se ouviam agora na Bacia do Mont’Serrat.
Fontes:
CORDOVA, Tiago de. Os pioneiros: da Suécia ao Rio Grande do Sul: história do centenário das Assembleias de Deus no Rio Grande do Sul (1924-2024) / Tiago de Cordova. ― Ijuí, RS: Ed. do autor, 2024.
SOUZA FILHO, João de. O Minuano do Espírito: História do Movimento Pentecostal no Rio Grande do Sul, 1ª edição ― Sarzedo, MG: JRC Empresa Jornalística e Editora, 2024.
VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 09 de nov. 2024.
VINGREN, Ivar (Org.). Despertamento apostólico no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1987.
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