Pentecostais na cidade do Rio de Janeiro - década de 1940

Com a proximidade do centenário da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, a história da denominação no antigo Distrito Federal será cada vez mais revisitada. Novas informações poderão surgir para a alegria dos membros e pesquisadores da denominação. O blog Memórias das Assembleias de Deus também dará, nesta postagem, sua contribuição.

No tempo em que o Jornal do Brasil (JB) trazia somente anúncios em sua primeira página, o engenheiro, geólogo, geógrafo, escritor, político e pedagogo Everardo Backheuser, conhecido como o pai dos estudos de Geopolítica no Brasil, escrevia para uma seção do periódico intitulada "Geografia Carioca". Nela, Backheuser discorria sobre as mais variadas questões sobre o clima, relevo e demografia da "Cidade Maravilhosa".

Foi na edição de domingo, no dia  29 de setembro de 1946, que Backheuser trouxe aos leitores do JB dados exclusivos sobre o protestantismo carioca, que na época despontava como o segundo maior grupo religioso do Rio, com 46 mil integrantes, ou seja, 2,59% da população total da capital da República do Brasil. O seguidores de Lutero, Calvino e cia. ficavam atrás dos adeptos do catolicismo (1 milhão e 600) e na dianteira dos "espíritas ou espiritistas".


Na mesma coluna, o geógrafo apresentou estatísticas detalhadas da distribuição numérica das "seitas protestantes", pois até então esse grupo "acatólico" não possuía estudos internos sobre sua composição como era feito nos Estados Unidos. Segundo Everaldo, nos EUA, as ramificações evangélicas já figuravam separadamente nas tabelas censitárias, algo que no Brasil somente ocorreu no Censo de 1980.

Na lista apresentada no JB, os pentecostais cariocas, surpreendentemente, apareceram como a terceira força protestante (5 ou 6 mil membros), atrás apenas dos batistas e dos presbiterianos e à frente dos metodistas, episcopais e luteranos. Um feito considerável, pois todas as denominações citadas foram implantadas no Rio de Janeiro a partir de meados do século XIX, enquanto que a Assembleia de Deus, a maior representante do pentecostalismo, iniciou seus trabalhos em 1924.

Analisando o crescimento protestante no Rio, Backheuser identificou na questão da imigração estrangeira (a cidade abrigava várias empresas comerciais estrangeiras desde a época do Império) e no advento da República em 1889, que separou o Estado brasileiro da Igreja Católica e permitiu a "campanha de proselitismo intensificada", um incentivo à expansão das igrejas evangélicas.

Ainda em suas observações, o geógrafo identificou duas camadas principais do protestantismo carioca: nas classes mais ricas e nos bairros mais nobres, os protestantes estrangeiros ou os "históricos", como atualmente são denominados, estavam mais presentes. Eram "gente do comércio e da indústria, gente de dinheiro, de 'boas posses'", provavelmente recenseada em Copacabana e em "trechos fidalgos da Zona Sul da Cidade".

Nos subúrbios e nas áreas rurais estavam os protestantes mais simples, descritos como "gente ingênua da roça, habitando paróquias desprovidas infelizmente da boa assistência religiosa católica". Everardo ainda cita "elementos da classe média" na Zona Norte e Centro do Rio alcançados pela mensagem evangélica. 

Ao relembrar a implantação da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro constata-se a convergência dos dados apresentados: a igreja nasceu no bairro industrial de São Cristóvão, área central da cidade próxima ao porto. A congregação liderada inicialmente por Gunnar e Frida Vingren tinha como base funcionários públicos de classe média. Posteriormente, a localidade recebeu muitos imigrantes vindos do nordeste e muitos deles se converteram ali. Para muitos era a "igreja dos nordestinos". Não deixa de ser interessante que a tradicional Feira de São Cristóvão ou "Feira dos Nordestinos" seja atualmente uma grande atração turística no local.

E nos subúrbios do Rio, Paulo Macalão expandiu o movimento pentecostal seguindo o curso da linha férrea Central do Brasil. Macalão evangelizava, batizava e abria congregações assembleianas de forma rápida e independente. Em poucos anos sua rede de igrejas estava transpondo os limites da cidade e chegando em outros estados do Brasil.

Não admira então que, sendo organizada muito depois das igrejas históricas, a Assembleia de Deus em apenas duas décadas tenha chegado ao terceiro posto entre os protestantes. Logo superaria todas as demais!

Fontes: 

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CABRAL, David. Assembleias de Deus: a outra face da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Betel, 2002. 

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ____. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, domingo 29 de setembro de 1946/2ª seção

Pesquisa feita pelo autor no site https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspxbib=030015_06&Pesq=%22Pentecostais%22&pagfis=42265

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