O aggiornamento da AD em Belém do Pará

Em seu livro O Aggiornamento do Pentecostalismo Brasileiro, o historiador Moab César reflete sobre o processo de “atualização” (aggiornare) das ADs, principalmente a partir da década de 1980. Segundo o escritor, o processo de adaptação à sociedade de consumo levou muitas lideranças das ADs a empreender “novos projetos expansionistas, mais ajustados ao mercado consumidor e às novas possibilidades que se apresentavam”.

Todavia, esse processo não foi (e ainda não é) uniforme dentro de uma denominação como as ADs no Brasil. Alguns ministérios e convenções saíram na frente no movimento de “aggiornamento” e outros resistiram (e ainda resistem) ao máximo às novas tendências.

Matéria do MP sobre o Vale da Benção

Dos líderes de envergadura nacional, talvez o pastor Firmino da Anunciação Gouveia tenha sido o que realmente mergulhou de cabeça nesse projeto de adaptação aos novos tempos. Nos últimos anos de sua gestão em Belém, o patriarca resolveu apostar em novos métodos de evangelismo na Igreja Mãe das ADs no Brasil.

Na década de 1980, durante dois anos, a na capital paraense manteve um programa de TV, mas foi no anos 90, que Firmino investiu na compra da Rádio e TV Guajará. Para adquirir o canal de televisão, foi providencial a parceria com o pastor Samuel Câmara de Manaus, cuja igreja já possuía a Rede Boas Novas - RBN. Em poucos anos, a aliança entre os dois líderes seria de fundamental importância para a sucessão pastoral em Belém.

Enquanto o presidente da CGADB, Sebastião Rodrigues de Souza posicionava-se contra o uso da TV (para ele um "aparelho maldito") e boa parte da liderança assembleiana ainda discutia o uso da televisão como meio de evangelismo, os pastores Samuel Câmara e Firmino Gouveia expandiam a RBN no Norte do país. Televisão não seria mais o “caixão” do Diabo.

Nesse mesmo período, Firmino comprou uma área de terra de 27 mil metros quadrados para construir o “Vale da Benção”. Segundo consta em sua biografia, Gouveia recebeu a “orientação profética” para empreender “uma obra de libertação” seguindo o modelo de outras igrejas pentecostais e neopentecostais. “Tinha chegado o momento também para a Assembleia de Deus entrar nessa área de trabalho” — afirmou o antigo pastor em Belém.

Mesmo questionado em sua estratégia por membros do ministério local, Firmino não retrocedeu no projeto. As orientações eram para que nas reuniões o nome da denominação não fosse enfatizado. Pregar usos e costumes nem pensar; o foco das mensagens seria a “libertação em Jesus”.

Nos cultos do “Vale da Benção”, as pessoas levavam objetos e fotografias como acontecia nas outras denominações voltadas para esse ministério. Era algo muito diferente do que as ADs até então ensinavam e combatiam. Mas era necessário adaptar-se aos novos tempos e fazer concessões dentro das tradições assembleianas.

Cada vez mais, a instituição religiosa se adaptaria aos membros e não o contrário.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019. 

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. 

BORGES, Jonas. Firmino Gouveia, um empresário de Deus: sua vida e sua obra. Belém: Semin, 1997.

COSTA. Moab César Carvalho. O Aggiornamento do Pentecostalismo Brasileiro: as Assembleias de Deus e o processo de acomodação à sociedade de consumidores. São Paulo: Recriar, 2019. 

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022. 

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

MENSAGEIRO DA PAZ, ano LXVI - nº 1310 - Maio de 1996, CPAD. 

Religião & Sociedade - volume 23- número 2 - dezembro 2003

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