Macalão e os missionários suecos - cooperação ou cisão?

Com as celebrações do Centenário das Assembleias de Deus (ADs) no Rio de Janeiro, uma antiga polêmica foi suscitada: o pastor Paulo Leivas Macalão (1903-1982) rompeu ou não com os missionários suecos para fundar seu próprio ministério? O surgimento do Ministério de Madureira foi um ato de rebeldia do jovem obreiro?

Nas redes sociais, espaço amplo de debates, o tema gerou profundas divergências. Mas a celeuma não é nova, e sempre é levantada no contexto dos interesses eclesiásticos da maior denominação pentecostal no Brasil, que por sua vez é subdividida em vários ministérios concorrentes.

Paulo Macalão, filho de um militar gaúcho, começou a frequentar a “Igreja do Orfanato” lá pelos idos de 1923. Em 1924, participou com outros pioneiros da implantação da AD em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Batizado nas águas por Gunnar Vingren, Macalão foi o segundo na lista do rol de membros da nova igreja. Também implantou a banda de música na congregação.

EB da AD no RJ em 1929 - casal Vingren sentados ao centro, Macalão último à direita 

A tese de uma possível discórdia entre Paulo e os Vingren é levantada com base em informações da própria história oficial das ADs. Exemplo: a biografia do líder de Madureira informa que Macalão pregava mensagens carregadas de “ataques violentos contra o pecado” gerando críticas dos próprios crentes. “Censurado e incompreendido” o jovem obreiro dirigiu-se aos subúrbios do Rio e, em 1926, implantou igrejas seguindo a linha férrea Central do Brasil.

Gedeon Alencar comenta em seu livro Matriz Pentecostal Brasileira “que, por razões ainda não totalmente claras, [Macalão] não aceitou a liderança do sueco”. Os estudiosos das ADs ressaltam sempre, que o perfil social de Paulo Leivas foi um fator preponderante para a autonomia dele em relação aos suecos.

Contribuiu ainda para essa tese, a anotação do missionário Gunnar Vingren sobre Macalão, em seu diário, no dia 13 de janeiro de 1932: “Paulo ameaçou para dar Santa Ceia e baptizar no suburbio. Elle é muito independente” (com grafia da época). Essa independência ficou evidente na matéria enviada por Samuel Nyström ao jornal sueco Evangelli Haröld (edição de 1º de junho de 1933) quando foi informado: “Duas congregações com prédios próprios estão em franco progresso. Comportam até 400 pessoas. Paulo Macalão pastoreia uma delas [Bangu]. Trabalhamos unidos pela graça de Deus. Esta se tornou independente pouco antes dos irmãos Vingren nos deixarem”.

Até 1941, a AD liderada por Macalão ficaria ligada juridicamente a São Cristóvão. Todavia, informalmente a autonomia já existia. Segundo o sociólogo Paul Freston, o movimento pentecostal estava ainda em seu nascedouro e não havia estruturas denominacionais formadas como hoje. Assim, a iniciativa do pastor Paulo de aventurar-se pelos subúrbios, pregando e abrindo novas congregações, não pareceu um sinal de ruptura; e sim um novo ministério.

Percebendo essa tendência de autonomia, Vingren aproveitou a visita do líder do pentecostalismo na Suécia, Lewi Pethrus, para consagrar Macalão ao pastorado no dia 17 de agosto de 1930. Zélia Macalão comentou em seu livro Traços da vida de Paulo Leivas Macalão: “Aí, sim, começou a liberdade ampla para a evangelização e o desenvolvimento do seu ministério tão maravilhoso”.

Paulo Macalão era filho de um general ligado ao Governo Vargas e com parentes bem posicionados no mundo dos negócios e da política da antiga capital da República. Mesmo nos dias de hoje, um obreiro com esse perfil não passaria despercebido da liderança e sua presença no ministério seria aproveitada. Ninguém (concordando ou não com o gaúcho) gostaria de vê-lo fora do movimento pentecostal.

Nas próximas postagens: Paulo Macalão era próximo aos missionários suecos? Cooperava com as ADs da Missão?

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ALMEIDA, Abrãao de (org.). Paulo Macalão - a chamada que Deus confirmou. Rio de Janeiro: CPAD, 1983. 

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CABRAL, David. Assembleias de Deus: a outra face da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Betel, 2002.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022. FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ____. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

MACALÃO, Zélia B. Traços da vida de Paulo Leivas Macalão. Rio de Janeiro: CPAD, 1986.