Centenário da AD no RJ - homenagem à Frida Vingren

No final da década de 1990, o sociólogo Gedeon Alencar em sua pesquisa de mestrado começou a ler e tabular os artigos do jornal Boa Semente e Mensageiro da Paz. Notou que o nome da esposa de Gunnar Vingren, o fundador das ADs no Brasil aparecia com destaque. Frida Vingren escrevia, dirigia o jornal, pregava, ensinava, realizava cultos nas praças públicas e nos presídios e, na ausência do esposo, liderava a AD em São Cristóvão na cidade do Rio de Janeiro, antiga Capital da República no Brasil.

Com tantas informações, Alencar se perguntou? Quem era essa mulher que veio sozinha da Suécia para casar com Gunnar Vingren e exercia tantas funções dentro da igreja, num tempo em que era vedado às mulheres o direito ao voto, mesmo nos países de legislação mais avançada.

A mulher no Brasil, além de não votar, também não podia trabalhar fora sem autorização do marido e nem dirigir veículos automotores, pois o machismo contra a presença feminina na direção era muito grande. Segundo o Código Civil de 1916, as mulheres casadas eram consideradas "incapazes".

Diante desse contexto, Gedeon aprofundou suas pesquisas em torno da esposa de Gunnar Vingren e procurou descrever todo o processo de atuação e oposição às atividades do ministério feminino nas ADs. Não só Frida, mas outras mulheres participaram do avanço do pentecostalismo no Brasil, sem, contudo, serem reconhecidas.

A “descoberta” de Frida gerou uma onda de interesse pela questão feminina dentro das ADs. Pesquisas acadêmicas, matérias jornalísticas, blogs e redes sociais repercutiram os lances mais polêmicos da luta entre os Vingren e Samuel Nyström e cia.

Homenagem à Frida Vingren

Em 2014, a CPAD publicou a biografia da missionária Frida Vingren. Escrita pelo historiador da Casa, Isael de Araújo, a obra enquadra-se no típico caso de controle da história, ou seja, diante de novas versões historiográficas, a instituição produz sua narrativa dentro dos padrões pré-estabelecidos pela centenária denominação pentecostal.

Frida foi o símbolo de um projeto de pentecostalismo não aceito pelos seus opositores. Mas agora no centenário da AD carioca, o Bispo Abner Ferreira, líder do Ministério de Madureira na região, resolveu fazer a “reparação” histórica à esposa de Gunnar, com a divulgação de um certificado homenageando postumamente a pioneira.

Lido em pleno culto celebrativo pelo pastor Geremias Couto (incentivador da homenagem) o documento está causando um frisson nas redes sociais. No grupo Memórias das Assembleias de Deus no Facebook, os comentários variam de total apoio ao Bispo Abner, a severas e inclementes críticas ao gesto do líder.

Um dos argumentos mais usados, é que a titulação “pastora” não aparece na Bíblia e, po rtanto, antibíblico. Mas o termo “pastor geral” ou “pastor-presidente” tão utilizado e reverenciado nos dias de hoje entre os assembleianos, também foi considerado pelo missionário sueco Otto Nelson (contemporâneo de Frida) "antibíblico".

O antibíblico vale mais para as mulheres do que para os homens. Pobre Frida! Não aceitou ser simplesmente uma “Amélia”, aquela que na letra de Mário Lago “não tinha a menor vaidade, que era mulher de verdade”.

Enquanto isso, o Bispo Abner vai fazendo do Centenário da AD carioca um evento para entrar na história!

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011, Rio de Janeiro: Ed. Novos Diálogos, 2013.

ARAÚJO, Isael de. José Wellington - Biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell Pinheiro. Onde a luta se travar: a expansão das Assembleias de Deus no Brasil urbano (1946-1980) - Assis, 2015.

FERREIRA, Ely Evangelista. Galeria dos Pastores da Assembleia de Deus. Belo Horizonte, (s.e) 1ª edição 1971.

FERREIRA, Samuel (org.) Ministério de Madureira em São Paulo fundação e expansão 1938-2011. Centenários de Glórias. cem anos fazendo história 1911-2011 s.n.t.

FIDALGO, Douglas Alves. De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP. Orientador: Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

VILHENA, Valéria Cristina. Um olhar de Gênero Sobre a Trajetória de Vida de Frida Maria Strandberg (1891 -1940). Tese (Doutorado em Educação, Artes e História Cultural) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016.

Mensageiro da Paz, 1ª quinzena de novembro de 1959. Rio de Janeiro: CPAD.

Mensageiro da Paz, junho de 1970, nº 12. Rio de Janeiro: CPAD.

Comentários

  1. Efésios 4:11: E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres.

    Os estudiosos sobre dons e ministérios ensinam que os crentes regenerados são capacitados pelo Espírito Santo com mais de três ministérios.

    Frida Vingren tinha os quatro citados acima e outros.

    Oficialato na igreja, segundo a Bíblia só tem dois: presbiterato e diaconato.

    Madureira gosta de dar títulos as pessoas. Mas o reconhecimento a Frida, realizado neste evento, é justo. Ela merecia um busto na praça da República, lugar onde ela realizou o 1° culto ao ar livre no Rio de Janeiro.

    A Familia Vingren vai ficar feliz. A Igreja Filadélfia de Estocolmo vai ficar surpresa e o atual pastor da referida igreja vai dizer que é justo mesmo pois o movimento pentecostal na Suécia ordena pastoras.

    Com títulos, cargos, certificados, reconhecimentos, ordenação, comissionamentos ou não, Deus levanta, a Sua obra e feita e Ele é glorificado e ninguém pode impedir.

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  2. "O antibíblico vale mais para as mulheres do que para os homens."
    Nunca li tamanha verdade!

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