Adriano Nobre - o cancelamento histórico

Quando A Seara foi lançada na década de 1950, adiantava-se na contracapa das futuras edições, os principais assuntos da próxima revista. Criava-se assim, uma boa dose de expectativas sobre os temas pautados pelos seus jovens editores da CPAD.

Só para lembrar: a revista A Seara foi lançada em setembro de 1956, e tinha propostas que, se colocadas em prática, trariam maior abertura à denominação. No periódico eram debatidos assuntos polêmicos como institutos bíblicos e congressos de jovens; assuntos controversos para a época.

Idealizada por Augusto Rocha, João Pereira de Andrade e Silva e Joanyr de Oliveira, A Seara teve uma excelente recepção no mercado evangélico. Nos registros oficiais, o novo produto da CPAD foi recebido com alegria. O pastor João Pereira, anos depois do lançamento do produto, relatou que a “felicidade de (quase) todos era imensa”.

A falta de unanimidade sobre uma revista com boa tiragem e abrangência nacional, devia-se ao fato de alguns líderes assembleianos ficarem contrariados com as "sugestões" de maior abertura da denominação. Além de certos temas serem controversos, houve um caso de explícita censura de uma matéria sobre o pastor Adriano Nobre de Almeida.


Contracapa da revista A Seara anunciando a matéria sobre Nobre

Nobre foi um dos pioneiros da AD no Brasil com participação na implantação das ADs no Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Também publicou a primeira edição da Harpa Cristã, em 1922. Em 1924, os primeiros crentes pentecostais na cidade do Rio de Janeiro convidaram Adriano para o pastorado da igreja, mas ele não aceitou.

Apesar de todo o pioneirismo, Nobre afastou-se das ADs na década de 1930. Segundo consta nos registros oficiais, o pioneiro envolveu-se com “doutrinas heréticas” e morreu afastado da denominação que ajudou a implantar, aos 55 anos de idade vítima de tuberculose.


Nota suspendendo a futura matéria

Na época dos acontecimentos ainda não se falava da “cultura do cancelamento”, mas Adriano Nobre de Almeida foi alvo dessa prática por quase toda a história das ADs. Exemplo claro disso foi a resistência por décadas em reconhecer seu pioneirismo em Pernambuco.

Esse “cancelamento” também chegou A Seara (julho/agosto de 1957), pois na contracapa da revista, anunciou-se que a edição seguinte traria “revelações” sobre a vida e obra do “primeiro pastor pentecostal brasileiro”. Joanyr de Oliveira traçaria o perfil de Nobre fazendo “justiça ao grande nome” das ADs, que permanecia “esquecido” na história. Contudo, na mesma edição, numa pequena nota, provavelmente feita às pressas durante o fechamento da revista, anunciava-se a supressão da matéria.

Em suma: a censura revelava os limites e tensões dos editores da revista na confecção das matérias mais ousadas. Também expôs a “cultura do cancelamento” assembleiano para certos personagens da história da igreja. Adriano Nobre é só um exemplo. Existem outros.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CABRAL, David. Assembleias de Deus: a outra face da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Betel, 2002. 

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

FONSECA, André Dioney. 'Temei a Deus, honrai ao Rei': revista A Seara e os (des)caminhos do debate sobre a relação igreja/política na imprensa assembleiana (1956-1980). 2017. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

Comentários

  1. Quais foram as tais “doutrinas heréticas”? Não encontrei detalhes sobre...

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