Sucessões pastorais - utopia x história

Os questionamentos sobre as sucessões ministeriais dentro das ADs é antiga. Na Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB) em 1937, em São Paulo, capital, o assunto veio à tona entre líderes assembleianos de todo o Brasil. O jornalista Silas Daniel em seu livro "História da CGADB" relata que a discussão foi levantada pelo pastor Heitor Vieira.

Depois de algumas explanações e uma profecia, a CGADB aprovou a seguinte resolução: o pastor ao transferir o trabalho eclesiástico deveria "orar muito a Deus nesse sentido" para receber a revelação divina sobre o possível sucessor e depois apresentá-lo ao "ministério da igreja". Caso o ministério (pastores-auxiliares, presbíteros, diáconos e cooperadores) estivesse em concordância com o líder, o "escolhido" deveria ser apresentado à igreja, que "estando na vontade de Deus" reconheceria a decisão.


CGADB de 1937 debateu sobre as sucessões ministeriais 

Portanto, o filtro das sucessões, em tese, deveria ser feito através da oração e concordância da igreja, sempre buscando à vontade de Deus. Segundo o sociólogo Gedeon Alencar, nesse tempo, as ADs estavam em sua fase do "movimento pentecostal", ou seja, a institucionalização não havia se consolidado. As ADs com seus ministérios, hierarquias e interesses ainda estavam em gestação. Por isso, a resolução da CGADB de 1937 parece aos olhos de hoje um tanto "utópica".

Utópica, porque com o desenvolvimento dos campos assembleianos, as sucessões passaram a ser decididas pelos pastores líderes das redes de congregações (ministérios) por ele controladas. Por mais piedoso que fosse esse líder, as permutas entre obreiros e ascensões ministeriais dependiam também das suas idiossincrasias. Como a função de pastor ainda estava longe de ser rentável, o nepotismo era quase inexistente. 

Se o nepotismo era fraco, a luta pelas sucessões era forte em determinados ministérios. Com algumas exceções, a transferência de poder eclesiástico esteve longe da simples oração e busca da vontade divina. Os casos em Fortaleza*, CE; São Cristóvão, no RJ; Curitiba, no PR, na décadas de 1950 e 60 e o Belenzinho nos anos 70, são emblemáticos do quanto a recomendação da CGADB de 1937 tinha se tornado letra morta.

Nesse ponto da evolução do ministério assembleianos, já estavam consagradas as titulações de "pastor-presidente" com suas variantes (pastor regional e pastor geral) na hierarquia das ADs, que caminhava velozmente para o modelo episcopal. Sendo o responsável por legitimar os vocacionados ao ministério, administrar as congregações e os recursos, se detectará as movimentações para o nepotismo, conforme escreveu o pastor José Menezes ao Mensageiro da Paz (edição de março de 1969).

"Os pastores especialmente aqueles que trabalham em grandes igrejas, nas capitais, devem estar alertas com a apresentação de candidatos ao santo ministério. O pastor que tem parentes, filho etc. que pelo simples fato de dar um testemunho do púlpito, e ser batizado com o Espírito Santo, pode pensar que tal pessoa já está preparada para o ministério e porque quer agradar e proteger esse parente ou filho, coloca-o no ministério, apontando-o para ser ungido (sem unção)...".

Da aceitação dos familiares no ministério, aos postos de comando com ramificações na política secular seria uma questão de tempo. Marina Correa detalha esse tortuoso caminho em sua obra "Dinastias Assembleianas".  

Com a utopia deixada para trás e o modelo episcopal em seu auge, as AD caminharam para se transformarem na "corporação pentecostal", onde o modus operandi das sucessões envolveriam mais que orações, consultas ao ministério ou a vontade divina. 

* O caso da AD em Fortaleza foi um dos primeiros registros de sucessão, onde o nepotismo entrou em cena. 

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CORREA, Marina Aparecida Oliveira dos Santos. Dinastias assembleianas: Sucessões familiares nas igrejas das Assembleias de Deus no Brasil. São Paulo: Recriar, 2020.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

Mensageiro da Paz, março de 1969. nº5, ano 39, Rio de Janeiro - Guanabara, CPAD.

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