Intervenção Militar na AD Brás

Fundada em 1938, na cidade de São Paulo, a AD Brás foi consequência do crescente expansionismo do Ministério de Madureira (RJ). Ao alugar um pequeno salão no bairro paulistano da Liberdade e colocar seu cunhado Sylvio Brito na direção, o pastor Paulo Leivas Macalão, segundo a história oficial, obedeceu a uma revelação divina.

Assim, a dualidade (ou rivalidade) Missão x Madureira presente no Rio de Janeiro desde meados dos anos 20 do século XX, chegaria à cidade de maior crescimento no Brasil nos anos 1930. Entre idas e vindas, a igreja fixou-se na Rua Major Marcelino, onde foi construída e inaugurada a antiga sede do Brás em 1962.

Por sua posição geográfica e econômica, a AD Brás se tornou a principal referência do Ministério liderado pelo pastor Macalão fora do Rio. Mas o contexto das ADs na época era de intensa "ministerialização", ou seja, campos eclesiásticos, setores e congregações inteiras sob lideranças carismáticas rompiam com as suas matrizes em busca maior liberdade administrativa.

Nessas circunstâncias, o Ministério de Madureira também foi atingido, mesmo que, preventivamente, Paulo Macalão tenha organizado em 1958 a Convenção Nacional de Madureira e implantado o conhecido "Estatuto Padrão" para todas as filiais do ministério. Juridicamente, o "Estatuto Padrão" amarrava todos os trabalhos sob a jurisdição do Ministério de Madureira e assim evitava ou dificultava as divisões.


Antigo templo AD Brás: no detalhe o General Marcondes

Porém, há registros fartos desse clima de "ministerialização" tentando abalar a unidade do Ministério no estado de São Paulo. O Bispo Manoel Ferreira conta em suas memórias casos nos quais atuou como mediador de Madureira para resolver dissensões eclesiásticas. As igrejas de Capão Bonito, Garça, Bauru, Vila Alpina e Vila Industrial exigiram de Ferreira muita capacidade de persuasão para garantir a unidade ministerial. 

Dentro desse contexto, no início da década de 1970, numa manobra ousada e sorrateira, um grupo de obreiros registrou em cartório novos estatutos para fragmentar a AD Brás em 12 setores. Segundo o próprio Ferreira em sua biografia: "O plano era desligar essas igrejas do Ministério de Madureira, obtendo autonomia integral para os novos trabalhos". Seria uma implosão eclesiástica do Ministério de Madureira na Grande São Paulo.

O plano só não deu certo porque alguns pastores fiéis a Madureira avisaram a tempo a sede no Rio de Janeiro. Macalão rapidamente entrou em contato com Manoel Ferreira perguntando-lhe se ele sabia de alguém que tivesse força e influência para barrar as autonomias. Ferreira prontamente buscou o apoio de Sebastião Marcondes da Silva, general e futuro deputado estadual em São Paulo. Apressadamente, Manoel e Marcondes rumaram para o Rio, onde Macalão e seu vice-presidente, Alípio da Silva, colocaram o militar a par dos acontecimentos e pediram uma ação imediata.

De volta a São Paulo, a dupla já tinha em mãos o novo estatuto da AD Brás. Segundo Ferreira: "naquele tempo general tinha uma força medonha” e ao entrarem no cartório, Marcondes da Silva ordenou a anulação dos estatutos do grupo de pastores dissidentes e o reconhecimento do documento preparado no Rio. Diante das imposições do militar, o dono do cartório só respondia “Vai ser feito conforme o senhor está falando General, vai ser feito conforme o senhor está falando”.

O Brasil vivia o auge da Ditadura Militar (1964-1985) e naqueles tempos de repressão, censura e autoritarismo quem ousaria contrariar as ordens de um general? A intervenção militar na AD Brás foi cirúrgica e virou o jogo a favor da cúpula de Madureira no Rio. Os obreiros que sonhavam com a autonomia tiveram que pedir perdão, mudar de ministério ou serem afastados da AD Brás.

É interessante que o relato do Bispo Manoel Ferreira sobre a participação do General Marcondes na intervenção na AD Brás descrito no livro “Assembleia de Deus em São Paulo: Fundação e Expansão 1938-2011”, desaparecem em sua biografia lançada pela Editora Betel em 2020. 

Estrategicamente Ferreira omitiu a participação militar nos acontecimentos para não ofuscar sua própria atuação. Desse modo, a união ministerial em São Paulo seria resultante somente da habilidade do futuro Bispo e sucessor de Macalão e não de uma imposição político-militar externa 

Por fim, um dos maiores críticos dos militares no poder foi o jornalista carioca Sérgio Porto (1923 -1968), também conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Ele nomeava ironicamente o Golpe Militar de "a Redentora". No caso da AD Brás, a intervenção foi de fato “redentora” para alívio de Paulo Macalão.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

FERREIRA, Samuel (org.) Ministério de Madureira em São Paulo fundação e expansão 1938-2011. Centenários de Glórias. cem anos fazendo história 1911-2011 s.n.t.

FERREIRA, Manoel. Bispo Manoel Ferreira: Vida, Ministério, Legado. Rio de Janeiro: Editora Betel, 2020.

FIDALGO, Douglas Alves. “De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”. Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP. Orientador: Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, 2017.

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