Controvérsia - a primazia do batismo Espírito Santo no Brasil

Na lição n° 09, da Escola Bíblica Dominical (EBD) do 1º trimestre de 2023, publicada pela CPAD, o comentarista Elinaldo Renovato aborda o tema "O Avivamento Pentecostal no Brasil". O objetivo da lição é claro conforme o plano de aula da revista dos professores: "Veremos como que o que ocorreu ao longo do livro de Atos dos Apóstolos, repetiu-se em terras brasileiras...".

Com este intuito, o pastor Renovato repete de maneira sucinta os primórdios das ADs com a chegada de Daniel Berg e Gunnar Vingren a Belém do Pará em 1910, as resistências por parte das igrejas tradicionais a doutrina pentecostal e ao fato que causa controvérsias sendo motivo de disputa histórica: a primazia do batismo no Espírito Santo em terras brasileiras. Segundo o escritor, a irmã Celina Albuquerque creu na mensagem pentecostal e no ano de 1911 "recebeu o dom de Deus e, por isso, é considerada a primeira brasileira batizada no Espírito Santo em nosso país.".

Para os estudiosos da história do pentecostalismo no Brasil, a afirmação do comentarista causa estranheza, pois já foi reconhecido que antes dela, Paulo Malaquias, no RS (1907) e Pedro Graudin, em SC (1909) também receberam o batismo pentecostal. Tanto Malaquias como Graudin são mencionados no livro "Dicionário do Movimento Pentecostal" publicado pela própria CPAD. 

Celina, segundo os registros oficiais, foi a primeira crente do grupo que viria a ser a AD (a nova congregação no início era denominada de Missão da Fé Apostólica) a receber o batismo com o Espírito Santo, mas não se pode ignorar que um ano antes em 1910, no outro extremo do país em Santo Antônio da Platina, PR, o italiano Louis Francescon fundou a Congregação Cristã no Brasil, igreja de doutrina pentecostal.

A SEARA confirmando a primazia de Celina

É importante destacar, que o primeiro historiador das ADs, o escritor Emílio Conde, autor do livro "História das Assembleias de Deus no Brasil" publicado pela CPAD em 1960, nunca afirmou a primazia de Celina Albuquerque sobre o batizado com o Espírito Santo no Brasil. Aliás, Conde converteu-se na Congregação Cristã na cidade de São Paulo e, somente após sua transferência para o Rio de Janeiro, passou a frequentar a AD em São Cristóvão. 

Na obra da década de 1960, Conde chega a citar a Congregação Cristã como obra evangélica antecedente a AD no Brasil, porém, sem dar ênfase ao caráter pentecostal da igreja. A omissão desse detalhe, mais o constante desconhecimento da própria história geral do movimento pentecostal no Brasil e no mundo, fez que a versão na qual a senhora Albuquerque aparece como a "primeira brasileira" a ser batizada no Espírito Santo uma constante.

Antes e depois do livro de Emílio Conde, a pioneira foi exaltada com essa primazia. Exemplo disso é o artigo do pastor José Menezes ao Mensageiro da Paz, na edição de 15 de maio de 1947, onde o veterano obreiro afirma esse fato com todas as letras: "... Gunnar [Vingren] e Daniel [Berg] iniciaram o trabalho do Senhor, na casa da irmã Celina Albuquerque, rua Dr. Assis, sendo essa irmã o primeiro crente batizado com o Espírito Santo no Brasil...". 

A revista A SEARA (edição julho/agosto de 1961) também fez a mesma coisa ao publicar a foto da anciã com a legenda "Irmã Celina Albuquerque a primeira crente batizada no Espírito Santo no Brasil". O Mensageiro da Paz, edição de junho de 1969, também atribuiu a Celina foi a honraria: "A veneranda irmã pioneira do movimento pentecostal brasileiro CELINA ALBUQUERQUE,  a primeira pessoa no Brasil que recebeu o precioso batismo no Espírito Santo....". O livro "A História da Igreja-mãe das Assembleias de Deus no Brasil" publicado em 2007 também oferece essa versão: "Sendo assim, ao alvorecer do dia 08 de junho de 1911, a irmã Celina Albuquerque, orando em sua casa, juntamente com outros irmãos, teve o privilégio de ser a primeira evangélica a receber o cumprimento da promessa...". 

Como se percebe, a posição ambígua do historiador Emílio Conde ou da própria CPAD (na qual Conde trabalhou de 1940 até 1968) resultou neste equívoco presente até o dia de hoje. Mas o primeiro historiador das ADs teria sido alertado para a imprecisão histórica? 

Assunto para a próxima postagem. Aguarde!

Fontes: 

A História da Igreja-mãe das Assembleias de Deus no Brasil. Belém, PA: Gráfica Santa Marta, 2007/SOUZA, Benjamim Ângelo de. (org.)

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CONDE, Emílio. História das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1960.

MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro Ano XVII, nº10. 2ª Quinzena de maio. 1947, p. 04.

MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro. Ano 39, nº11. 2ª Quinzena de junho. 1969. p. 01.

SANTOS, Ismael. Raízes da nossa fé: A história das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus em Santa Catarina e no Sudoeste do Paraná. Blumenau: Letra Viva, 1996.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)