João Kolenda Lemos e as flores à beira do abismo

Entre os dias 18 a 23 de julho de 1967, a cidade do Rio de Janeiro recebeu a 8ª Conferência Mundial Pentecostal. O evento de grande repercussão internacional entre os evangélicos, mobilizou a liderança das ADs brasileiras e foi aguardada com grandes expectativas.

Para comportar tantos pentecostais do Brasil e do exterior, as celebrações de fé foram realizadas no ginásio do Maracanãzinho e o inesquecível encerramento no dia 23, no Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, na época, o maior estádio de futebol do mundo com capacidade para mais de 155 mil pessoas.

Algumas comissões foram criadas para atender aos participantes de várias regiões do planeta: a Comissão de Intérpretes ficou aos cuidados do missionário norte-americano Bernhard Johnson, a Comissão de Som na liderança do pastor Nicodemos José Loureiro e a Comissão de Alimentação sob a responsabilidade do pastor João Kolenda Lemos.

Ao chegar ao Rio, o pastor Lemos percebeu no filho Mark de apenas 10 anos, no olhar do filho um brilho incomum ao passar próximo ao Maracanã. As imediações do estádio fervilhava de torcedores, bandeiras e cores, pois justamente naquela semana da Conferência Pentecostal, um jogo de grande importância seria disputado pela Taça Guanabara: Flamengo e Vasco.

 O Globo: jogo descrito como sensacional

Perspicaz, João Kolenda detectou no filho todo o desejo de estar naquele espetáculo futebolístico no maior templo do futebol mundial. Sugestivamente perguntou: "Você quer ver o jogo do Vasco e Flamengo?". Espantado e meio descrente com a proposta, Mark respondeu: "Pai, você é pastor, e se virem você lá vai ficar muito difícil...".

O menino estava correto. Um crente, naquela época, visto num estádio de futebol seria motivo suficiente para disciplina ou exclusão do rol de membros da igreja. Os mais radicais denominavam o futebol como o "chutar a cabeça ou o ovo do capeta". O esporte bretão em suma era a síntese do mundanismo duramente combatido pelos mais puritanos.

Um pastor pego em "flagrante delito" como aquele, seria para a maioria um grande escândalo. E João Kolenda Lemos não era um pastor anônimo ou desconhecido. O sobrinho do mítico JP Kolenda, juntamente com sua esposa Ruth Doris Lemos, fundaram o Instituto Bíblico das Assembleias de Deus no Brasil (IBAD), o primeiro do gênero no Brasil em 1958.

Lemos, porém, resolveu driblar a presença de diversos líderes pentecostais na Cidade Maravilhosa para levar o filho ao jogo. Disfarçado com um casacão, boina e óculos escuros, o professor do IBAD saiu com Mark da casa do missionário norte-americano Lourenço Olson, onde estava hospedado na Tijuca, para o grande clássico do futebol carioca.

No Maracanã, pai e filho testemunharam um jogo histórico. Descrito pelo jornal O Globo como "uma partida sensacional", o clube cruzmaltino superou o rubro-negro por 4x3. Entrevistado por um jornalista no fim do confronto, o folclórico técnico do Vasco, Gentil Cardoso, famoso pelas frases de efeito declarou: "Certos prazeres mundanos, são como as flores à beira do abismo e para colhê-las, muitas vezes, o sujeito paga com a vida".

A frase do técnico pernambucano se referia ao fato do Vasco sair perdendo por 2x0 e reverter o placar para 4x3, saindo do Maraca com uma retumbante vitória. Em outras palavras, o time de São Januário ficou momentaneamente "à beira do abismo", ou seja, perto da derrota; para com muito suor colher as flores da vitória.

Para João Kolenda, aquele dia também não foi diferente: "as flores" seriam colhidas "à beira do abismo". O desejo de alegrar o filho era maior do que o receio do conservadorismo eclesiástico da sua época. O menino Mark viu na postura do pai, a valorização da família acima dos ditames ministeriais. Antes de ser pastor ou professor do IBAD, Kolenda era o pai que ignorava riscos pelo filho. Uma lição interessante num meio em que muitas vezes a ordem das prioridades se invertem.

No dia seguinte, os Lemos voltaram ao Maracanã para uma programação muito diferente do dia anterior. Era o encerramento da 8ª Conferência Mundial Pentecostal. O grande templo do futebol tinha se transformado em santuário pentecostal de adoração.

Difícil era saber quais pensamentos passavam na mente do menino Mark enquanto ele estava no estádio com mais de 150 mil crentes: seria a vibração dos torcedores na hora dos gols ou os efusivos louvores do povo de Deus?

Para finalizar: a Taça Guanabara de 1967, disputada pelos times cariocas no tempo da bola de couro, teve naquela edição o Botafogo como campeão, para alguns (pelo sugestivo nome), o time mais pentecostal do Brasil. Seria mera coincidência?

Fontes:

ARAUJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

O GLOBO - Edição Esportiva - Rio, segunda-feira, 24 de julho de 1967.

Baú do Esporte - https://www.youtube.com/watch?v=cqhIQz8TE6Q

Depoimento de Mark Jonathan Lemos aos membros do grupo de WhatsApp Memórias das Assembleias de Deus. Permissão concedida pelo mesmo para a edição e divulgação das lembranças familiares.

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