A Ceia do Senhor nas Assembleias de Deus - outras histórias

Na última postagem, destacou-se no blog sobre as mudanças do uso do cálice na ceia: da taça comum servida para os membros ao copo individual. Foi salientado também as controvérsias das alterações; para muitos uma inobservância do texto bíblico que diz "bebei dele todos".

Outras normas, com o tempo, em relação ao culto de ceia foram flexibilizadas. Além de se determinar que somente os membros (e na grande maioria das igrejas ainda segue essa orientação) deveriam participar da ceia, a entrada para o culto deveria ser controlada: somente os crentes com carteirinha validada anualmente pelo pastor comungavam na igreja.

O pastor João de Souza Filho lembra até uma situação inusitada: certo dia, Mary Taranger, esposa do líder da AD em Porto Alegre/RS, Nils Taranger, foi barrada na porta da igreja por não estar com sua carteira de membro. O caso só foi resolvido com a presença do próprio Nils para interceder pela missionária.

As questões de se restringir os cultos de ceia somente aos membros geraram certos debates entre os estudiosos e líderes. Para alguns, realizar as reuniões com as portas fechadas e limitar o acesso somente aos membros seria contraditório, pois o ato simbólico de comer e beber o corpo de Cristo em si mesmo era uma mensagem evangelística de enorme relevância. Havia determinados pastores que mandavam fechar as portas do templo na ceia e outros a exigir dos obreiros livre acesso ao templo.

Pastor Satyro celebrando a ceia: fonte O ASSEMBLEIANO abril/maio de1988

Outro ponto, que aos dias de hoje parece cômico, era o que fazer com as sobras do pão e do suco: dar para a garotada faminta em volta consumir ou levar para casa o excedente? Conta-se que, em determinada congregação em Joinville/SC, enterrava-se o resto para não se cometer sacrilégio com "o corpo e o sangue" de Cristo. Em outra pensava-se em queimar...

Aliás, todo esse impasse refletia o imaginário dos crentes sobre o memorial. Herdeira da Reforma Protestante, as ADs ensinavam ou ensinam que os elementos da ceia são simbólicos. Mas muitos crentes de origem católica ainda acreditavam na transubstanciação (crença na mudança da substância do pão e do vinho na substância do Corpo e sangue de Jesus Cristo no ato da consagração). Por isso, havia a cruel dúvida com as sobras da ceia.

Mas, para além das controvérsias sobre o uso do cálice, as mudanças também ocorreram em algumas igrejas no tradicional ato de partir o pão. Sempre em busca de uma maneira mais higiênica para a celebração da ceia, muitas congregações deixaram de lado o costumeiro ato de lavar as mãos antes de dividir o pão. Porém, o pastor Jesiel Padilha da AD em Santos/SP ligado ao Ministério do Belenzinho, por exemplo, ainda pratica a orientação bíblica que diz: "Jesus tomou o pão e, abençoando-o, o partiu...".

Em muitas igrejas, o cuidado com a higiene é exemplar. No Belenzinho, os diáconos usam luvas e recebem álcool para limpeza das mãos; em outras, uma equipe prepara os elementos da ceia com os cálices e fragmentos do pão (protegidos por filme plástico) em bandejas próprias. No Brás, os diáconos distribuem aos fiéis cestas contendo kits com o pão e vinho.

Para terminar, uma breve curiosidade: com a onda migratória de haitianos ao Brasil e a constante frequência dos mesmos nas igrejas, é comum que eles, vindos de outras congregações evangélicas, estranhem a falta do ritual de lava-pés na ceia. Em Joinville, os obreiros questionados pelos irmãos do Haiti se desdobram para explicar que a AD não é Congregação Cristã ou qualquer outra denominação que tem tal hábito.

Assim, ao analisar os rituais da ceia, percebe-se a diversidade das igrejas e ministérios assembleianos. Nota-se nesse processo, as várias interpretações teológicas e cerimoniais que se modificaram no tempo e no espaço. Uma pequena amostra do desafio que é estudar as ADs no Brasil.

* Com a colaboração de Clayton Guerreiro, Cléia Rocha, Eliseu Melfior, Emerson de Souza, Hermes Carvalho, Jessé Silva, Jessé Sadoc, Jesiel Padilha, Josias Santos, Geremias Couto, Onésimo Loureiro, Oséias Balsaretti, Jacó Rodrigues Santiago, João de Souza Filho, Vânio de Oliveira e outros amigos do grupo de WhataApp Memórias das Assembleias de Deus.

Fontes:

ARAÚJO, Isael de. José Wellington - Biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.

ARAUJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

MENSAGEIRO DA PAZ. 1º quinzena de novembro de 1935. Rio de Janeiro: CPAD.

NELSON, Samuel. Nels Nelson - O Apóstolo Pentecostal Brasileiro. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

SANTOS, Roberto José. (Org.). Assembleia de Deus em Abreu e Lima - 80 Anos: síntese histórica. Abreu e Lima: FLAMAR, 2008.

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