Onde a luta se travar - o livro

* Por Gedeon Freire Alencar

Maxwell Fajardo, um intelectual orgânico e ministro assembleiano, se insere na pesquisa como um exemplar tipo de pesquisador da Rede Latina de Estudos do Pentecostalismo – RELEP. Uma rede articulada nos dos anos 90, com pesquisadores do México, Chile, Peru e Brasil que tem uma especificidade: um grupo de pesquisa sobre o pentecostalismo formada por pesquisadores pentecostais. 

Não tem a pretensão de reserva de mercado, a RELEP apenas indica: nós também temos algo a dizer sobre nós mesmos. Os estudos pós-coloniais nos legitimam. Sim, os subalternos tem voz. Segundo alguns, não deveriam, mas tem. E falam. E o fazem muito bem, como o Fajardo, em sua tese de doutorado em historia na UNESP.


Os colonizadores acadêmicos talvez não consigam entender – por ignorância ou má fé, ou pela conjugação das duas - que os índios pentecostais, talvez, não se sintam perfeitamente alcançados com as descrições realizadas. Algumas assumidamente preconceituosas, outras dissimuladamente piegas ou passionalmente incompletas. Há alguma dissonância entre os registros e a realidade; ha alguns aspectos que pesquisadores exógenos não percebem. Ou percebem distintamente dos nativos. Por que, então, somente há legitimidade da analise externa?

A pesquisa sobre o pentecostalismo, ou particularmente sobre as Assembleias de Deus no Brasil, começou sendo feita por intelectuais católicos e, posteriormente, por intelectuais das igrejas tradicionais. Não passa pela cabeça de alguns que também intelectuais pentecostais possam também fazer pesquisa? Acrescentar algo? Pode, mas precisa? Aqueles outros já não deram conta do recado?

Em um evento acadêmico, vez certa, ao terminar uma pessoa me disse: “Gostei, mas você é pentecostal, portanto tenho reservas com sua analise”. Ao que respondi: “Analise minhas ideias, não minha pessoa.  Por ser pentecostal não posso falar do pentecostalismo? Então, avise para os marxistas que eles não podem falar do marxismo, católicos do catolicismo, mulheres do feminismo. Aliás, humanos não podem falar de temas humanos. Por que um pentecostal é suspeito a priori? ” Impossível não lembrar do já clássico texto da cientista social indiana, Gayatri C. Spivak, “Pode o subalterno falar? ”.

Como alguns são mais iguais que outros, algumas subalternidades têm legitimidade a priori, outras, porém, suspeição. Por que a subalternidade pppp (pobre, preto, periférico e, majoritariamente, pentecostal) não pode. Ou não deve. O subalterno pppp é, de início, suspeitoso, pois, não é que ele não possa falar, ele não tem o que falar. Já falaram por ele...  

A ciência moderna tem como característica inerente a necessidade de avanço e essa superação pode e deve incluir novos atores, novos modelos. Novas controvérsias e polemicas. Como diz uma frase da moda: “A casa grande pira quando a senzala aprende a ler. ” Pois então, o pppp sempre foi apenas lido, de fora, de longe, com exotismo, mas agora ele também ler. Mais grave ele também ler a si mesmo;  tem uma leitura própria da sua realidade. E a coloca no páreo.  Afinal, o espelhinho/método do colonizador acadêmico tinha que ter alguma serventia. 

“Onde a luta se travar”: a expansão das Assembleias de Deus no Brasil urbano (1946-1980) ” é a história de uma identidade militante com embates internos e externos. (Por puro corporativismo não vou falar das lutas internas; não vou dá oxigênio ao inimigo. Passionalidade não existe somente no outro lado. E o faço propositalmente no momento em que o crítico). Essa militância apaixonada é tipificada a partir de uma frase de um hino clássico assembleiano como chave hermenêutica da historiografia construída pelo Fajardo. Original.  

Quem conhece as entranhas desse pentecostalismo estigmatizado desde suas origens como um movimento incomodo e suspeitoso, pois, formado por pobres, pretos, analfabetos, periféricos sabe o quanto a identidade interna do grupo foi formada pela musicalidade inspiradora do cantar apaixonadamente a plenos pulmões: “Eu quero estar com Cristo, onde a luta se travar! ”. 

A luta inicialmente era contra a marginalidade do grupo, a indiferença das demais igrejas, o estranhamento do modelo eufórico, a suspeição da tradição reformada e do racismo do qual o movimento pentecostal foi vítima. A luta era a favor da informalidade litúrgica, da leitura bíblica mais experiencial que teórica, da espiritualidade empírica, da liberdade de expressão dos pobres inclusive com glossolalia, da oportunidade ministerial aos negros, da transgressora liderança feminina. 

Os tempos mudam, mas as lutas continuam. A luta da subalternidade pentecostal pode, inclusive na atualidade, ser travada em outros lugares. Na academia, por exemplo.  E meu amigo Maxwell Fajardo, indica a mim e toda uma nova geração de pesquisadores pentecostais, o caminho a ser percorrido.
  
Doutor em Ciências da Religião pela PUC/SP, Mestre em Ciências da Religião pela UMESP, Graduado em Filosofia e membro da Igreja Betesta de São Paulo/SP.

Pedidos para Maxwell Fajardo no e-mail max.fajardo@yahoo.com.br

Comentários

  1. Excelente texto e analise! Mais sóbrio impossível.
    Apenas uma observação, no texto: "...mas agora ele também ler. Mais grave ele também ler a si mesmo..." o verbo "ler" não deveria estar no infinitivo e sim no indicativo "lê".

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  2. Esse preconceito é claramente manifesto na Academia. Não acontece da mesma forma quando antropólogos e sociólogos, especialmente aqueles que pesquisam sobre religiões afro, se manifestas adeptos da religião que pesquisam. Recentemente, durante minha banca de qualificação de tese, tive a alegria de ouvir do antropólogo Ari Pedro Oro, da UFRGS, que é muito importante quando o pesquisador faz parte do objeto que pesquisa, pois conhecer muito do interno e vai ter acesso a informações que um de fora dificilmente teria.
    O que vai fazer a diferença entre uma apologia religiosa pentecostal e um trabalho científico de qualidade não é a filiação religiosa do pesquisador, mas sua postura diante de seu objeto e seu afastamento necessário para que sua produção seja a mais imparcial possível.
    Meu caro amigo Dr. Gedeon Alencar, quero parabenizar sua postura e de muitos outros pesquisadores pentecostais por estarem mostrando o quanto somos capazes de produzir com isenção e inteligibilidade a história e o desenvolvimento do pentecostalismo brasileiro. Organizações como a RELEP são fundamentais para a construção de uma nova classe de intelectuais e pensadores das questões religiosas no Brasil e no mundo.
    Esse preconceito é claramente manifesto na Academia. Não acontece da mesma forma quando antropólogos e sociólogos, especialmente aqueles que pesquisam sobre religiões afro, se manifestas adeptos da religião que pesquisam. Recentemente, durante minha banca de qualificação de tese, tive a alegria de ouvir do antropólogo Ari Pedro Oro, da UFRGS, que é muito importante quando o pesquisador faz parte do objeto que pesquisa, pois conhecer muito do interno e vai ter acesso a informações que um de fora dificilmente teria.
    O que vai fazer a diferença entre uma apologia religiosa pentecostal e um trabalho científico de qualidade não é a filiação religiosa do pesquisador, mas sua postura diante de seu objeto e seu afastamento necessário para que sua produção seja a mais imparcial possível.
    Meu caro amigo Dr. Gedeon Alencar, quero parabenizar sua postura e de muitos outros pesquisadores pentecostais por estarem mostrando o quanto somos capazes de produzir com isenção e inteligibilidade a história e o desenvolvimento do pentecostalismo brasileiro. Organizações como a RELEP são fundamentais para a construção de uma nova classe de intelectuais e pensadores das questões religiosas no Brasil e no mundo.

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  3. Boa tarde, seu blog é uma benção. Gostaria de saber, você como um historiador nato, se procede a informação que as Assembleias de Deus é fruto de racismo. Há algum tempo assisti um documentário sobre a Rua Azuza que foi falado que um grupo de irmãos que se negaram serem pastoreados pelo Pastor William Mason, pelo fato do mesmo ser um negro,e formaram as Assembleias de Deus.
    https://m.youtube.com/watch?v=SEMUWrFM2MA
    Esdras Souza
    Igreja Batista( segundo os meus amigos, Batista mais assembleiano que existe)

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    Respostas
    1. Sim meu irmão, esse fato é real. No começo houve até uma certa convivência, mas depois as questões raciais se impuseram na formação das igrejas. As Assembleias de Deus nos EUA foi inicialmente uma igreja de brancos.

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  4. muito bom, muito bom, mesmo. Gosto mundo deste GLOG, comecei a acessar nao tem nem 5 meses, eu achei esse blog, procurando alguma site ou pagina na intermete que falava sobre a minha denominação que é AD.

    eu gostaria , é claro quando o irmao MARIO SERGIO DE SANTANA Ou outro, tiver um tempo colocar aqui uma artigo sobre vários livros sobre as AD's no brasil, por que muitas das vezes nao sao lançados pela editora oficial da AD's, ai fica difícil sabe sobre esses livros.

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