A celebração da Ceia, principalmente a utilização do cálice individual ou coletivo, foi motivo de muitas polêmicas, e até mesmo tomado como símbolo (no caso da AD em Abreu e Lima) de rompimento com a tradição implantada pelos missionários suecos nas ADs no Brasil.
As discussões começaram na CGADB de 1935, e se arrastaram pelo menos por mais 5 décadas. Nos anos 30, as polêmicas envolveram as igrejas do norte do país, mas continuaram por muito tempo. Em um artigo intitulado Cálice "comum" ou "individual" escrito para o Mensageiro da Paz (2ª quinzena de março 1965), o articulista Paulo Santos fornece algumas informações que esclarecem melhor as celeumas dentro da igreja.
![]() |
Ceia na AD em São Cristóvão (RJ): décadas de debates em torno do uso do cálice |
Reconhece o escritor que, dentro das ADs o "pão é ministrado de modo idêntico em todas as igrejas, em todos os lugares", mas percebia que no partilhar o vinho "não há uniformidade", sendo que algumas igrejas adotavam copos grandes para uso comum ou cálices individuais. Para Santos, o uso do cálice comum era anti-higiênico e não recomendável, pois colocava em risco a saúde do fiel. Porém, segundo o escritor, a defesa de alguns para a continuação do uso do cálice comum consistia em ser essa prática um "ato de fé", e portanto aceitável nas práticas litúrgicas da denominação.
Percebe-se, nas argumentações do autor, que há um embate entre a racionalidade e o desejo de higienização, resultante de uma educação mais apurada, contra os costumes praticados em nome da fé, os quais já não mais se coadunavam com os tempos modernos. O articulista, favorável ao uso dos cálices individuais, clama para que as ADs tenham seus usos e costumes "definidos e padronizados" em todas as regiões do Brasil. Para ele, entre uma ou outra prática, deveria-se "escolher e preferir" àquela que fosse bíblica e mais apresentável, ou seja, o uso do cálice individual.
Mas possuir usos e costumes "definidos e padronizados" dentro das ADs no Brasil - pelo menos nessa questão - seria ainda uma utopia longe de se realizar, pois anos depois desse artigo, algumas igrejas ainda continuariam a celebrar a Ceia "à moda antiga". Um exemplo disso foi o Ministério do Belém em SP. José Wellington Bezerra da Costa informa em sua biografia, que ao assumir o ministério em 1980, resolveu mudar do cálice único para o individual. Mas antes dessa mudança, conta ele que fez um estudo sobre a Ceia, mas mesmo assim uma pequena minoria não concordou; porém prevaleceu o consenso sobre o uso do cálice individual.
Todas essas discussões revelam, como nas ADs diversos costumes e liturgias ainda conviviam lado a lado no tempo. A Ceia é um exemplo disso, mas outras questões como o uso da televisão, corte de cabelo feminino, forma de louvor e participação política entre outros, foram muito debatidos não sendo aceitos de pronto em todos os ministérios e por toda a liderança. As ADs como toda instituição sempre foi resistente as novidades, e em muitos casos como autodefesa, se fechava ainda mais em alguns aspectos.
Hoje, o cálice individual é praticamente onipresente em todas as ADs no Brasil. Porém, ainda não há uniformidade na sua celebração, pois dependendo da região e do ministério, a liturgia é diversificada. Não só diversificada, como controlada. Mas esse é um assunto para a próxima postagem.
Fontes
ARAUJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
ARAUJO. Isael. José Wellington: biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
MENSAGEIRO DA PAZ. 2ª quinzena de março de 1965. Rio de Janeiro: CPAD.