Ministério do Belém – Cícero, o ocaso do timoneiro

José Wellington Bezerra da Costa, o cearense de São Luis do Curu, assumiu em janeiro de 1980, na cidade de São Paulo, o Ministério do Belém, um dos mais importantes das Assembleias de Deus no Brasil. Seu antecessor, foi nada mais nada menos que o veterano e o respeitado pastor Cícero Canuto de Lima.

A história oficial passa longe dos detalhes da conturbada sucessão. Mas há indícios nas publicações da CPAD, através do Mensageiro da Paz e das biografias autorizadas, que o pastor Cícero em sua derradeira década à frente do ministério, sofreu um grande processo de desgaste em sua liderança. Soma-se a isso, o intenso clima de disputas internas pelo cargo do pioneiro.

Signatário da convocação para a primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) em 1930, o nordestino Cícero pastoreou por 15 anos da AD em João Pessoa (PB). O desejo de trabalhar no sul do país surgiu em 1937. Em entrevista ao Mensageiro da Paz em 1974, declarou: "puseram muitos obstáculos" para impedir sua vinda a São Paulo. Mas persistiu e convidado por Samuel Nyström, o pastor paraibano ganhou a oportunidade de cooperar na AD em São Cristóvão no Rio de Janeiro de 1939 à 1946.

Cícero: o "timoneiro"

Sobre a transferência do veterano, observou o historiador Maxwell Fajardo no livro Onde a luta se travar, que o "fato de uma liderança de destaque no Nordeste, com quinze anos de pastorado na mesma igreja", e com influência para articular "um grupo de pastores contra os suecos e criar um órgão institucional de nível nacional, ter sido designado para vir ao Sudeste, não para dirigir uma igreja, mas para ser auxiliar" seria uma evidência das questões ainda não totalmente superadas entre os obreiros nacionais e os suecos. 

Mas, em 1946, o sonho de tornar-se pastor na pauliceia se realizou. E como temiam os suecos, Cícero à frente da igreja na dinâmica metrópole sul-americana, consolidou sua liderança e estilo conservador dentro das ADs. 

Paulo Macalão, do Ministério de Madureira (RJ), passou ao imaginário dos assembleianos como ícone do conservadorismo. Porém, foi na direção do nobre potiguar, que o Ministério do Belém proibiu e ameaçou de exclusão os membros com televisão em suas casas; não permitiu congressos de jovens e se opôs ferozmente aos institutos bíblicos, a tal "fábrica de pastores". Alguns até falam, mas não é informação comprovada, que Cícero em tempos remotos, seria até contra o uso das lições de escola dominical na igreja.

Contudo, na sua última década de pastoreio, o "timoneiro" – assim foi chamado em uma celebração de aniversário – acumulou desavenças com a CGADB. Por conta de uma antiga ligação com a AD em Aribiri, Vila Velha (ES) e com o intuito de ajudar a igreja em dificuldade, filiou o campo do ministério capixaba ao Belém.

A suposta ajuda, ao que tudo indica, aprofundou à crise. A Junta Executiva da Convenção Geral, em meados de 1976, através do Mensageiro da Paz, divulgou o acordo entre a igreja em Aribiri e a convenção estadual. No documento, entre algumas determinações do acordo, está a declaração que ambas as partes "não aceitarão a interferência de outros Ministérios Estaduais" – referência indireta ao Belém.

No livro História da CGADB, destaca-se graves reclamações internas na convenção de 1975. Segundo os membros da Junta Executiva, havia deliberado desrespeito às decisões da instituição por um "vulto", o qual, "passava por cima da autoridade da Junta como se um trator fosse". Há desconfianças, que o tal "vulto" seja o pastor Cícero.

Em 1979, novamente Cícero vê seu prestígio em decadência. Na CGADB realizada em Porto Alegre (RS), o líder do Belém quis continuar na presidência do Conselho Administrativo da CPAD. Os membros do conselho manobraram para não permitir os intentos do ancião. Na mesma convenção, em gesto de desagravo aos assuntos tratados, o veterano se retirou do plenário levando consigo muitos obreiros de São Paulo.

Assim, ao entregar (ou ser deposto) à liderança do ministério, o ancião já não possuía mais àquele prestígio de outras décadas. Não fez seu sucessor e posteriormente em entrevista à Folha de São Paulo em 1982, reclamou do esquecimento e dos rumos do ministério que conduziu com mão forte.

O "timoneiro", talvez não tenha notado com clareza, mas na década de 1970, internamente no Belém  já se pensava na sua tão aguardada sucessão. Histórias para a próxima postagem.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011, Rio de Janeiro: Ed. Novos Diálogos, 2013.

ARAÚJO, Isael. José Wellington – Biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. 

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CORREA, Marina Aparecida Oliveira dos Santos. Assembleia de Deus: Ministérios, carisma e exercício de poder. São Paulo: Fonte Editorial, 2013.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell Pinheiro. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil - Curitiba: Editora Prisma, 2017.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

Mensageiro da Paz, 30 de junho de 1973. nº 12, ano 43, CPAD: Rio de Janeiro.

http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2013/09/sucessao-na-ad-do-belenzinho-golpe-ou.html

http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2013/09/cicero-canuto-de-lima-herdeiro-da.html

http://mariosergiohistoria.blogspot.com.br/2013/03/ad-ministerio-do-belenzinho-proibicao.html

Comentários

  1. No ano de 1980, visitei algumas igrejas em Vitória e em Linhares (ES). Lembro-me de que naquela época as igrejas AD de Aribiri, Jucutuquara, Campo Grande e uma em Linhares (que havia se dividido com a o igreja da CADEESO) estavam ligadas ao Ministério do Belém. Anos mais tarde, porém, essas igrejas retornaram a convenção do estado a CADEESO. Essas informaçãos do "Memórias" ajudam-nos a entender muitas coisas ocorridas no passado, que na época não entendíamos. Parabéns!

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  2. Fica claro que a fome de poder dos Wellington já aflorava na pele do antigo chofer do pastor Cícero,o pastor José Wellington...

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  3. Tenho aprendido e muito,sobre as ASSEMBLÉIA DE DEUS NO BRASIL, atraves do blog do irmão.Tenho enriquecido meus conhecimento lendo a cada matéria aqui postada.Que deus derrame mui ricas bençãos sobre o seu ministério e a sua família.FIQUE NA PAZ DO SENHOR.

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  4. Eu me lembro ainda criança tive muito perto dos congressos no oeste paulista Jales com Cícero Canuto e João de Oliveira e tinha a lição dá escola dominical sim. Depois começou essas divisões porque​ queriam o poder só que naquela época não tinha televisão, pastores que pecassem eram excluídos e o povo de Deus eram tenentes e as igrejas não eram frias como são nos dias de hoje desculpe me a minha franqueza hoje não rotulando a todos mas Pastor hoje é profissão e não ganhadores de almas como era no tempo de Cícero Canuto, havia de Oliveira, Florentino Zacarias e outros.

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    1. Cresci na AD em Jales SP sob o pastorado do Pr Florentino Zacarias, tempos de uma Igreja ganhadora de almas.

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  5. As histórias que a História não conta... Temos de resgatá-las. Creio que seja fato confirmado, salvo engano, o não uso de revistas na Escola Dominical.

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