A sucessão em Belém, PA - "casamento" e "divórcio" (1ª parte)

O mês de março de 2025, será marcado por várias celebrações no contexto das Assembleias de Deus (AD) no Pará, ao centenário do pastor Firmino da Anunciação Gouveia. Nascido em Portugal em 25 de março de 1925, Firmino chegou ao Brasil com três anos de idade. Jovem converteu-se ao evangelho e na sua carreira ministerial foi alçado ao posto de pastor-presidente da AD em Belém, capital paraense. 

Entre 1968 e 1997, Firmino, o sétimo, expandiu o campo eclesiástico abrindo novas congregações na capital, enfrentou crises, formou novas lideranças, presidiu a COMIEADEPA, construiu o atual templo-central da igreja, fundou um instituto bíblico e investiu pesado em mídias eletrônicas.

Todavia, ao terminar a “Era Firmino” também findou a própria unidade das ADs no Pará. Não que as coisas estivessem às mil maravilhas. Ao não ser mais reconduzido à presidência da COMIEADEPA, e centralizar ainda mais seus poderes administrativos na Igreja-Mãe, o pastor Gouveia gradualmente distanciou-se dos seus pares ministeriais. 

Foi quando, para surpresa de muitos, que o pastor Firmino pediu a jubilação (aposentaria). “Muitos não acreditavam que ele fosse abrir mão do cargo, pois continuava com todo o vigor à frente das múltiplas atividades” — informou o pesquisador Saulo Baptista. Mas todo líder merece seu descanso, todavia, a escolha do sucessor não seria do agrado de todos.

MP destacou as mudanças nas ADs nortistas: projeto midiático mantido

Aliás, a própria ascensão de Firmino ao pastorado em Belém não foi um “mar de rosas”. Agora, quase três décadas depois, o desconforto voltaria, quando ao escolher o seu sucessor, o veterano obreiro deixou de lado nomes ligados à COMIEADEPA, e indicou o pastor Samuel Câmara da AD em Manaus e líder da convenção amazonense desde 1988.

Ao preferir o Samuel Câmara, Firmino entrou numa contradição histórica que norteou sua própria ascensão ao cargo de pastor (o sétimo) da Igreja-Mãe: ao ser designado pelo seu antecessor Alcebiades Vasconcelos, considerou-se que ele já estava familiarizado com a administração eclesiástica em Belém e “que qualquer obreiro vindo de fora procuraria imprimir no trabalho da Igreja um ritmo diferente” do habitual. Havia o receio de que um líder exógeno poderia trazer “mudanças bruscas” e “métodos" que atrapalhariam a harmonia do trabalho local. Isso em 1968.

Em 1997, ao indicar o pastor Câmara de forma unilateral para sucedê-lo, Gouveia passou por cima de antigos paradigmas. Na história das ADs na região, foram muitos os casos em que os futuros pastores de Belém assumiram a AD em Manaus para depois voltarem e liderar a Igreja-Mãe. Mas agora ocorria a inversão histórica. 

Na biografia do pastor Firmino, conta-se que ele sondou o pastor Câmara para assumir a AD em Belém, meses antes. Depois de insistir algumas vezes com Samuel e perceber sua adesão, Gouveia preparou a igreja para recebê-lo como novo pastor. 

Não que a AD em Belém não conhecesse Samuel Câmara. Ele foi parceiro importante para o projeto midiático da igreja belenense. Quem acompanhava o processo de expansão televisa das ADs no Norte do país não se espantou com o nome para a sucessão na Igreja-Mãe. Na CGADB, Gouveia e Câmara eram “conhecidos por estarem dando andamento ao seu projeto particular de uso da televisão em todo o país”.  Com grandes investimentos na área de comunicação eletrônica, os dois líderes do Norte do país caminhavam unidos. A parceria era definida por eles como um “casamento”. 

Porém, o perfil dos obreiros da convenção paraense estava mais próximo do conservadorismo que, na época, reinava na CGADB, onde os debates sobre o uso (negativo) da televisão eram intensos. Não havia mais sintonia entre a maioria dos pastores da COMIEADEPA e o pastor da Igreja-Mãe. Caminhavam para o "divórcio".  

Todavia, prevaleceu na sucessão ministerial, para além dos sentimentos e revelações sempre invocadas em sucessões desta grandeza, a continuidade do projeto midiático. Na grande noite de do dia 27 de janeiro de 1997, mais do que as presenças habituais, as ausências na posse do oitavo pastor da AD em Belém, revelaram o que estava por vir no cenário assembleiano.

Assunto para a segunda parte!

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019. 

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. 

BORGES, Jonas. Firmino Gouveia, um empresário de Deus: sua vida e sua obra. Belém: Semin, 1997.

COSTA. Moab César Carvalho. O Aggiornamento do Pentecostalismo Brasileiro: as Assembleias de Deus e o processo de acomodação à sociedade de consumidores. São Paulo: Recriar, 2019. 

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022. 

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

SUCESSÃO NA ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM DO PARÁ (1997): UMA ANÁLISE DOS ATOS RETÓRICOS - por Saulo Baptista. Clique no link e tenha acesso ao texto.

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