Centenário da AD em Santos - "Era João Alves Corrêa"

O nome que mais se destaca na história centenária da AD em Santos, SP, é o do saudoso pastor João Alves Corrêa (1914-2007). Entre 1962 a 1993, o antigo vice-presidente do memorável pastor Cícero Canuto de Lima do Belenzinho, liderou a igreja em sua fase de maior crescimento e expansão. Isso num período em que a cidade vivia as glórias do seu time de futebol e sentia a face mais dura da repressão do Regime Militar (1964-1985).

Sua personalidade forte e a convicção de estar realizando a vontade de Deus, ajudaram-no a debelar a crise sucessória em Santos e enfrentar os preconceitos. Corrêa era um homem negro, numa igreja com um grupo elitizado e de vários sindicalistas entre os seus membros. Não era fácil ser pastor na AD pioneira no estado paulista.

Pastor João Alves Corrêa: líder da AD em Santos (1962-1993)

Esse contexto se confirmou quando ele enfrentou resistências do ministério local na decisão de comprar o terreno vizinho. Talvez pela oposição à compra do lote contíguo ao templo-sede e para evitar desgastes desnecessários, Corrêa adquiriu secretamente o terreno onde estava a tenda das campanhas evangelísticas do missionário Virgil Smith para a construção da congregação em Pedro Lessa. “Os irmãos pensavam que o terreno fora doado, mas pagamos tudo secretamente até o último centavo” — contou ele em sua autobiografia.

João Corrêa assumiu o campo eclesiástico de Santos com no máximo 27 congregações, e dinamizou o trabalho ao implantar o Círculo de Oração feminino e oficializar o departamento de jovens. Investiu na evangelização com desfiles e cultos públicos nas ruas e praças da cidade. Comprou terrenos, construiu congregações. Paralelamente, novas lideranças (incluindo seus filhos) foram aproveitadas no ministério.

A conjuntura política também ajudou o pastor santista a se impor como líder. O Golpe Militar de 1964, com seu forte aparato de repressão, atuou em Santos com rigor: intervenções em sindicatos, cassações e prisões eram constantes na cidade. Em algum momento, o pastor foi cooptado para servir ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) [veja a aqui] e servir à Doutrina de Segurança Nacional.

Isso facilitou o agendamento de concentrações evangelísticas da igreja (tudo dependia de ofícios e autorização do próprio DOPS) e o combate de rebeliões internas. Os mais antigos obreiros lembram, que o pastor João exortava os rebeldes pela Bíblia, mas caso não desse resultados, a famosa “carteirada” era indispensável.

Na CGADB de 1968, realizada em Fortaleza, CE, quando o assunto foi sobre a possibilidade do crente ter ou não aparelho de TV, vários pastores se manifestaram: uns contra (maioria) e outros a favor (minoria). No meio do intenso debate, o líder do litoral paulista contou que ao assumir a AD em Santos “todos o que podiam tinham sua televisão”. Mas depois de determinadas interdições aos obreiros e aconselhamentos em geral, nenhum crente da sua igreja tinha TV.

Outros líderes assembleianos também eram autoritários. Há histórias de pastores excluírem no meio da rua crentes insubmissos; mas no caso de Santos, ao que tudo indica, as coisas poderiam ir mais além. A atmosfera repressiva estava no âmbito eclesiástico e o pastor Corrêa criou uma “cultura” de subordinação e respeito máximo à sua liderança.

Porém, nesse período, a AD santista ganhou notoriedade quando seu líder foi eleito presidente da Junta Executiva de Deliberações (atual Mesa Diretora) da CGADB em três mandatos: 1966-1968/1968-1971 e 1971/1973. Entre 1977-1979, Corrêa foi membro do Conselho Fiscal. Nem antes e nem depois, um líder santista teve tanto destaque na Convenção Geral.

No ano de 1993, o pastor João Alves Corrêa foi substituído pelo seu filho, o pastor Paulo Alves Corrêa na liderança da AD em Santos. Porém, o veterano obreiro ainda continuou na presidência do Ministério de Santos por mais algum tempo. Suas últimas funções na administração eclesiástica foram: Presidente do Conselho Administrativo da CPAD (1994) e Presidente do Conselho de Doutrina (1995). Também foi presidente da Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado de São Paulo – COMADESP.

Ao falecer em 2007, o Ministério santista contava com mais de 650 congregações e milhares de membros. Nenhum grande líder é unanimidade, mas não se pode negar ao pastor João Corrêa, o protagonismo no tempo dos grandes debates na CGADB e de como ele transformou a AD em Santos numa potência eclesiástica.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CABRAL, David. Assembleias de Deus: a outra face da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Betel, 2002.

CORRÊA, João Alves. Os passos de um homem bom. [s/l]: Alpha, 1996.

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil -1930 a 2021 (Edição Revista e Ampliada). Rio de Janeiro: CPAD, 2022.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

Comentários

  1. Se for pesquisar mais, outros pastores das Assembléias de Deus tinham esta carteirinho do Dops.

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  2. Todo este autoritarismo deu certo em Santos pois a igreja cresceu muito porém não nos serve de exemplo.

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  3. Quando tinha que disciplinar alguém , não importava o cargo , disciplinava com amor do pastor ao membro ! Podia ser seu próprio parente ! Jesus e a Igreja acima de tudo !

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