O centenário nostálgico da AD carioca

Em 2024, as Assembleias de Deus (ADs) na cidade do Rio de Janeiro comemorarão o seu centenário. Há quase um século, na agitada década de 1920, o casal de missionários Gunnar e Frida Vingren, junto com um grupo de irmãos, implantaram a AD carioca. Algumas movimentações neste sentido estão sendo feitas para que as celebrações sejam uma verdadeira apoteose.

Todavia, a efeméride, infelizmente, terá um sabor maior de nostalgia, que eventos dessa natureza costumam ter, pois a AD no Rio, que tanta relevância tinha no cenário nacional, hoje pouca expressividade tem dentro do contexto assembleiano no Brasil. 

Logo que foi criada, a igreja na antiga Capital da República tornou-se a principal referência do movimento pentecostal no país. Da AD carioca, reunida em São Cristóvão, na época um bairro industrial, saíram homens e mulheres, que, orientados pelos missionários suecos, fundaram congregações em várias regiões do Brasil. 

Reflexo da importância das ADs na "Cidade Maravilhosa" foi a criação (ainda que por força das circunstâncias) da Casa Publicadora das Assembleias de Deus no Brasil (CPAD) e da permanência da sede da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) em terras cariocas. Paulo Macalão, ao criar sua convenção nacional em 1958, também fez do Rio o centro espiritual e administrativo do seu Ministério.

CPAD: lembrança dos tempos áureos da AD carioca

Mas, assim como a cidade do Rio de Janeiro teve mudanças na sua relevância política-administrativa com a criação de Brasília em 1960, as ADs cariocas viram com o tempo sua notoriedade decrescer. Uma das causas desse declínio apareceu ainda antes da transferência da capital. Em 1959, enquanto Brasília era construída, o pastor Alcebíades Pereira Vasconcelos permitiu a emancipação das congregações filiadas a AD pioneira em São Cristóvão. 

De lá pra cá, as igrejas ligadas à Missão Sueca e outras congregações que surgiram posteriormente sempre buscaram sua autonomia. Por conta disso, talvez o Rio seja o local onde exista a maior concentração de "pastores-presidentes" (sem contar os "bispos" e "apóstolos") no Brasil. Não é por falta de titulações eclesiásticas e nem por falta de convenções assembleianas que o Rio não vai pra frente.

A fragmentação iniciada na capital na década de 1950 espalhou-se pelo estado fluminense. Atualmente, a CGADB possui sete convenções ligadas aos seus quadros. Contando com a convenção estadual de Madureira são oito. Longe de representar força, a quantidade de instituições congêneres simplesmente revelam a divisão reinante entre os pentecostais na região.

Contudo, até a década de 1980, as igrejas cariocas permaneceram em destaque no cenário nacional. A AD em Madureira, no subúrbio da cidade, ainda era o centro de poder do Ministério nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e a AD em São Cristóvão, a pioneira, mantinha seu prestígio. Ao analisar o tradicional Mensageiro da Paz nesse período, é comum encontrar matérias sobre os grandes e influentes eventos no Rio.

Porém, a partir da década de 1990, com a hegemonia do Ministério do Belenzinho em São Paulo e seus aliados, as igrejas cariocas perderam de vez a sua proeminência. Madureira foi suspensa da CGADB e em 1999 transferiu a sede da sua convenção para Brasília. O templo da AD em Madureira, na Zona Norte da cidade, ainda é reverenciada, pois sua belíssima catedral ainda conserva a mítica dos tempos passados. Mas todos sabem que o poder de fato não está mais lá.

Com a CGADB sem Madureira, ficou mais fácil para o domínio do Belenzinho e cia. E com a crise da AD em São Cristóvão nos anos 2000, o Rio viu sua última e legítima representante se esfacelar. A política eclesiástica desmantelou a AD fundada pelos Vingren. E como o Rio (capital e estado) é o campeão das fragmentações, hoje, às vésperas do centenário, três igrejas disputam o espólio espiritual da AD pioneira. 

No Rio de Janeiro ainda permanecem instituições seculares que lembram aos cariocas os tempos de poder no passado (sede da CBF, da Petrobras, o Palácio do Catete etc.). Aos assembleianos da cidade restaram, semelhantemente, a CPAD, os templos históricos e a sede (ociosa) da CGADB para recordarem que um dia as ADs na "Cidade Maravilhosa" foram pujantes e influentes.

Fontes: 

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

FERREIRA, Samuel (org.) Ministério de Madureira em São Paulo fundação e expansão 1938-2011. Centenários de Glórias. cem anos fazendo história 1911-2011 s.n.t.

FERREIRA, Manoel. Bispo Manoel Ferreira: Vida, Ministério, Legado. Rio de Janeiro: Editora Betel, 2020.

Comentários

  1. O crescimento de São Paulo tem haver com a população que e o triplo da população carioca. O Rio esta perdendo a hegemonia em todas as áreas e isso e tem menos haver com questão denominacional e mais espiritual.

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  2. O que posso dizer sobre isto? Que história triste! Parabéns meu amigo, por mais este tão elaborado texto que nos traz a uma reflexão: dividir ou diminuir não compensa, não vale a pena. No Reino de Deus temos que pensar em somar e multiplicar.

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  3. A sede da CONAMAD foi transferida para Brasília em 2003. Coincidência ou não, isso aconteceu logo após a comemoração dos 50 anos de inauguração do famoso templo matriz de Madureira.
    De acordo com o jornal O Semeador daquele ano, durante aquela festividade o bispo Manoel Ferreira revelou que havia recebido uma orientação divina para cumprir uma antiga resolução do pastor Paulo Macalão, de transferir a sede nacional para a nova capital. Fato que foi consumado em setembro daquele ano, com a realização de uma AGE na catedral "baleia".

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  4. como foi falado as Assembleias de Deus de madureira e São Cristovão eram referência em todo o Brasil,quando se perguntava á um evangélico qual denoninação ele congregava se ele respondesse que era Assembleia de Deus,logo surgia uma segunda pergunta São Cristovão ou madureira?se fosse no Rio de Janeiro ou missão ou madureira nos demais estados,não se perguntava se era cgadb ou conamad,pois todos estavam na cgadb,tudo mudou á partir de 1989 com a saida de madureira da cgadb e depois outros ministérios.

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  5. O trabalho da "Assembléia de Deus" perdeu força no RJ mesmo. De fato, o lugar que tem mais "pastores-presidentes" e se continua a emancipar igrejas. Igrejas descaracterizadas e outras, são um verdadeiro museu com cheiro de mofo no templo e tudo. Unir todo mundo e ser somente um movimento de igrejas pentecostais, só um milagre. É muito difícil. É impossível.

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