A Ministerialização nas ADs e o "absalonismo"

Nascida em 1911, em Belém do Pará, a Assembleia de Deus (AD) em pouco mais de duas décadas já estava presente em todo território nacional. Posteriormente, as ADs se institucionalizaram, criaram uma tradição litúrgica, critérios para a separação de obreiros, convenções e editora própria, mas sem nunca perder o ímpeto expansionista. 

Os estudiosos nomeiam esse tempo expansão de "ministerialização", ou seja, foi o momento em que as igrejas locais expandiram suas filiais para regiões geograficamente mais distantes da sua área de atuação. O maior exemplo desse momento sempre foi o do Ministério de Madureira, que da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, em pouco tempo abriu congregações em todo o estado fluminense, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e São Paulo..

Sem duvida, a "ministerialização" foi determinante para o crescimento da igreja, mesmo que tal processo tenha gerado uma forte concorrência entre os Ministérios, gerando disputas por membros, obreiros e, principalmente, campos eclesiásticos. Nesse tempo a CGADB virou palco de discussões acirradas sobre os limites das "jurisdições eclesiásticas", tema tratado até a década de 1990 nas reuniões nacionais. 

Dentro desse contexto, o saudoso pastor João Pereira de Andrade Silva escreveu ao Mensageiro da Paz, na década de 1960, onde em tom crítico comentou sobre o clima reinante dentro dos Ministérios das ADs. João Pereira, além de pastor, era um intelectual atento ao modus operandi dos seus pares. Aliás ele tinha vasta experiência em lidar com as grandes igrejas e seus exigentes líderes.

Pastor João Pereira: crítico do "absalonismo" nas ADs

Mineiro de Itajubá, ele havia sido vereador em sua cidade natal e professor de língua portuguesa até ingressar na obra de Deus. Ficou conhecido por lecionar nas Escolas Bíblicas de Obreiros e no Instituto Bíblico Pentecostal no Rio de Janeiro; e por ter exercido a função de Diretor-Executivo da CPAD em dois períodos (1952 a 1957/1973 a 1978). Entre sua primeira e a segunda gestão na CPAD, o pastor João pastoreou igrejas no Mato Grosso e São Paulo (capital) ligadas ao Ministério do Belenzinho. 

Conhecedor das ambições humanas travestidas de amor ao sagrado e a igreja, o antigo vice-presidente do Belenzinho detectou àquilo que chamou de "absalonismo" dentro dos Ministérios. Para quem não sabe, Absalão foi o filho de Rei Davi, que deu um golpe contra o próprio pai conseguindo com engenhosidade colocar-se como catalizador das insatisfações populares. Assim ele "furtou" o coração dos israelitas (2º Samuel 15.6 - ARC) para depois usurpar o trono de Israel.

Em seu relato, o pastor Pereira contou aos crentes de todo o país que havia sido enviado para ajudar como vice-presidente da AD em Dourados, no atual Mato Grosso do Sul. Ao narrar suas experiências de submissão e sacrifícios como vice, o ex-diretor da CPAD fez observações pertinentes sobre o procedimentos de outros "vices" dentro das ADs. 

Nessa condição, João Pereira contou que nunca procurou "tomar" o lugar do pastor-presidente e muito menos "incompatibilizá-los com a igreja". Esses verdadeiros "absalões", segundo ele, quando conquistavam seus propósitos, tinham apenas, "vitórias de Pirro".* Observou com tristeza, que o "absalonismo" estava se espalhando na denominação, pois muitos obreiros ao obterem a confiança de seus superiores e subirem os degraus do ministério "dão-se logo, à nefasta tarefa de preparar a Igreja contra o pastor presidente, e após ganhar o coração dos irmãos, levantam-se, e gritam: 'a igreja quer a independência'  (para eles...)".

Quando escreveu para o Mensageiro da Paz, o pastor João, provavelmente, tinha em mente vários casos ocorridos pelo Brasil a fora. É bom recordar que anos antes, o pastor Paulo Macalão fundou em 1958, a Convenção Nacional de Madureira e criou o "Estatuto Padrão", instrumento jurídico "para assegurar a unidade do trabalho, devido a fragmentação que ocorria em outros ministérios". Tudo isso para proteger a igreja de homens “amantes de si mesmos”, que se rebelavam e dividiam o trabalho, ou seja, combater o espírito de "absalonismo" ministerial.

Depois desse artigo do pastor João, muitas outras divisões ocorreram nas ADs e a "ministerialização" só ganhou força. Pereira, tempos depois, tornou-se vice-presidente do pastor Cícero Canuto de Lima. Nesse período, sempre ao enviar alguma matéria ao Mensageiro da Paz, ele fazia questão de exaltar o Ministério do Belenzinho e indiretamente criticar outras ramificações assembleianas. 

Mas não deixa de ser interessante e oportuno esse olhar das entranhas ministeriais. O termo "absalonismo" foi traduzido pelos acadêmicos como "ministerialização" e seus alguns dos seus inconfessáveis caminhos desvendados pelo nobre escritor.

* A expressão “vitória de Pirro” é uma metáfora para descrever uma vitória que, de tão esforçada e sacrificada ou de tão violentamente conseguida, quase não valeu a pena alcançar, sendo praticamente inútil e prejudicial para o vencedor.

Fontes:

ALENCAR, Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus 1911-2011 (2ª edição ampliada). São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

CABRAL, David. Assembleias de Deus: a outra face da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Betel, 2002. 

CORREA, Marina. Assembleia de Deus: Ministérios, Carisma e Exercício de Poder. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. São Paulo: Recriar, 2019.

MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro Ano 32, nº 06. 2ª quinzena de março de 1962.

Comentários

  1. Pastor João Pereira de Andrade e Silva, um intelectual assembleiano, contribuiu de forma eficaz na imprensa pentecostal brasileira. Lembro-me de seus ensinamentos profundos e seus livros que o tornaram o maior romancista da denominação. Conheci ele de perto, pois no ano de 1978, sendo ele viúvo, casou-se com uma jovem membro da AD de Coronel Fabriciano, onde anos depois veio a falecer. Ao conversar com ele, podia sentir a sua grande cultura, mas também a sua extrema humildade. Era um homem muito simples.

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  2. Uma ética muito grande, esse servia a Deus, nem queria posição.

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  3. Pr João Pereira foi muito amigo do meu pai. Infelizmente, ele próprio foi vítima do golpe quando era vice-presidente do Belenzinho. Aliás, posteriormente o atual presidente deu o segundo golpe, agora no Pr Cícero Canuto que, na época, enviou uma carta aos obreiros relatando este fato.

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