A força de uma mulher

O ano 2020 já entrou para a História como um ano atípico. A pandemia do COVID-19 afetou a economia mundial, desmontou discursos neoliberais, multiplicou o valor das "gigantes da tecnologia" e revelou amplamente as mazelas e inseguranças dos mais pobres. Enquanto essas linhas são escritas, o coronavírus segue atrapalhando planos de reeleição de governantes e, incrivelmente, já alterou uma calculada sucessão eclesiástica. A Assembleia de Deus (AD) em Cuiabá que o diga.

Pastoreada desde dezembro 1974 pelo Pastor Sebastião Rodrigues de Souza, que também era vice-presidente da CGADB, a AD na "Cidade Verde" parecia ter uma sucessão previsível. Com quase 90 anos de idade, o Pastor Sebastião tinha como vice-presidente o seu filho Rubens Siro de Souza de 68 anos. Como tantos outros ministérios assembleianos, o clã dos Souza aguardava o momento certo para a transição.

Mas a pandemia golpeou planos e criou um vácuo de poder na AD em Cuiabá. No final de junho, os pastores Sebastião e Rubens testaram positivo para a COVID-19. No início de julho, pai e filho faleceram em decorrência do coronavírus. O Mensageiro da Paz de agosto de 2020 deu amplo destaque à morte dos líderes da AD em Cuiabá, em especial ao Pastor Sebastião, que por muitos anos foi membro da Mesa Diretora da CGADB e seu ex-presidente.

Aliás, o Mensageiro da Paz de agosto é aparentemente contraditório: publicou uma matéria intitulada "Brasil supera EUA em curados de COVID: Dados mostram ainda diminuição da epidemia em todo mundo", onde a grave crise sanitária mundial é claramente minimizada. Em meio a dados de pessoas recuperadas (no Brasil e no mundo), o tradicional "órgão oficial" das ADs simplesmente ignora o número alarmante de mortes em decorrência do coronavírus.

Irmã Nilda orando pelo recém-eleito pastor da AD em Cuiabá, Sila Paulo

Entre a propagada superação e cura de infectados, o periódico noticiou a morte do vice-presidente da CGADB, do seu filho Rubens Siro e do Pastor Alberto Resende de Oliveira, primeiro-secretário da CONFRADESP. Em julho, o Mensageiro também informou a morte do Pastor Florêncio Nunes Neto, aos 52 anos. Pastor Neto era presidente de uma das convenções das ADs no Ceará, filiadas a CGADB. Em suma: enquanto a mídia oficial assembleiana (e de outras denominações) atenuam o impacto da COVID-19 na sociedade, alguns de seus líderes seguem morrendo em decorrência da pandemia.

Mas voltemos ao Centro-Oeste! Com a morte do presidente e vice-presidente da AD em Cuiabá e da Convenção de Ministros da AD no Estado do Mato Grosso (COMADEMAT), o ministério deu posse ao Pastor João Agripino de França para a presidência da convenção estadual.

Mas a vaga de presidente da AD em Cuiabá foi um processo mais complicado. O candidato ao posto era o Pastor Silas Paulo de Souza, filho primogênito do Pastor Sebastião. Sem o carisma do pai, Silas estava longe de ser uma unanimidade para o cargo. Todavia, foi indicado pela convenção e eleito numa Assembleia Geral Extraordinária considerada por muitos "atropelada", ou seja, sem um clima de consenso.

Porém, Silas Paulo foi eleito e tão logo seu nome foi confirmado para presidir a AD em Cuiabá, o primogênito do casal Souza foi à casa da mãe, a irmã Nilda de Paula. A matriarca da família também havia sido infectada com o coronavírus, esteve internada, mas sobreviveu ao mal que assolou ao esposo e filho. 

Assim, o novo pastor da AD cuiabana foi buscar a intercessão da anciã de 90 anos. A cena onde Silas, de joelhos e muito emocionado, recebeu a oração da matriarca rodou o Brasil. A eleição por parte do ministério não era tudo. O sucessor do Pastor Sebastião precisava da oração e benção provinda de uma pioneira.

É uma ironia que, num processo todo conduzido por homens, a legitimidade ao sucessor seja dada por uma mulher. 

Fontes:

Mensageiro da Paz, ano 90 - nº 1623 - agosto de 2020, CPAD: Rio de Janeiro.

Mensageiro da Paz, ano 90 - nº 1624 - setembro de 2020, CPAD: Rio de Janeiro.


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