Homem na lua, transplantes de coração e debates na Convenção de Madureira

Período de tensões internacional no globo, a Guerra Fria (1945-1991) se caracterizou pela polarização entre os EUA e a URSS e provocou um clima de permanente competição armamentista, espacial e científica entre as duas superpotências.

Paralelamente, o meio evangélico tinha sua escatologia moldada pelos eventos da Guerra Fria. E os acontecimentos desse tempo conturbado tinham uma carga de dramaticidade maior para os crentes. Dentro desse contexto histórico, o Mensageiro da Paz da 1ª quinzena de abril de 1970 trouxe através do relato do saudoso pastor e poeta Joanyr de Oliveira um interessante relato de certas controvérsias dessa era. 

Na V Convenção Regional das Assembleias de Deus no Distrito Federal, presidida pelo pastor Paulo Leivas Macalão, no mês de julho de 1969, questões acerca dos avanços científicos e seus impactos na teologia dos pentecostais foram esclarecidas. Três assuntos receberam o devido esclarecimento por parte do próprio Macalão: as viagens interplanetárias, transplante de coração e os dias da criação segundo a Ciência.

O tema da conquista do espaço estava em seu auge naqueles dias. Joanyr de Oliveira explicou que "a Convenção coincidiu com o primeiro voo do homem à superfície lunar". De fato, no dia 21 de julho de 1969, a missão Apolo 11, tripulada pelos astronautas Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins obteve sucesso em seus objetivos: pisar na lua pela primeira vez.

O homem na lua: evento repleto de simbolismos

O evento, transmitido pela TV a milhões de pessoas em todo o mundo repercutia fortemente. E na Convenção em Brasília, a novidade entrou na pauta dos assuntos tratados. Diante de supostas dúvidas, Macalão esclareceu "não haver nas páginas da Bíblia qualquer proibição a respeito, constando nelas, ao contrário, que nos fins dos tempos a Ciência se multiplicaria", ou seja, as Escrituras Sagradas já previam os eventos que assombravam o planeta.

O assunto sobre os transplantes de coração era outra controvérsia séria. Realizado pioneiramente na África do Sul em 1967, e no Brasil em 1968, o assunto foi tema de diversas reportagens na mídia nos anos 60. Assim como a clonagem de embriões no fim da década de 1990, havia muitas dúvidas e especulações sobre o procedimento e seus resultados.

As explicações dadas por Macalão sobre o tema evidenciaram sérias questões soteriológicas. Segundo o mítico fundador do Ministério de Madureira, "as células vitais se encontram no cérebro e não no coração humano, e a salvação não está circunscrita ao pequeno órgão, como obreiros estavam crendo".

Na linguagem bíblica, o coração aparece muitas vezes de forma figurada para representar o centro das emoções, vontades e conhecimentos do homem e a salvação ocorre quando o ser humano entrega o seu "coração" a Cristo. Mas, interpretando literalmente as citações bíblicas sobre o "pequeno órgão", os transplantes geraram debates e polêmicas entre os membros das ADs.

Emendando os esclarecimentos, o presidente da Convenção falou sobre os "sete dias da criação". Obreiro "das antigas", Paulo Leivas confessou "que já entendeu certos textos de Gênesis literalmente, mas consultando a Deus foi esclarecido de que se trata, no caso, de eras geológicas".

Evidentemente, que a ideia de "eras geológicas" não era novidade para os estudiosos da Bíblia na época. O missionário norte-americano Nels Lawrence Olson, em seu famoso livro “O Plano Divino Através dos Séculos”, lançado na década de 1950, já apontava para essa possível interpretação.

Em linhas gerais, o que se pode perceber no relato do pastor Joanyr de Oliveira é o estado de perplexidade daqueles homens simples diante de tantas novidades tecnológicas e científicas. Mais uma vez na história, os avanços da Ciência colocavam em dúvida as questões da fé.

Após relatar sucintamente os temas dos debates, Oliveira citou sobre a criação da "Escola Bíblica Pentecostal de Brasília", visando dar aos obreiros maiores conhecimentos para a pregação e o ensino das Escrituras nas igrejas. Madureira rendia-se definitivamente aos Institutos Bíblicos.

Sabe-se que Macalão sempre foi resistente a esse tipo de instituição, contudo, depois da Convenção no Distrito Federal, ele deve ter ficado convencido de vez da necessidade das famosas "fábrica de pastores".

Fontes:

Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 - São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Mensageiro da Paz da 1ª quinzena de abril de 1970.

Comentários

  1. Excelentes relatos. Percebo, nas entrelinhas, uma rápida reação às mudanças. Um pouco pior hoje em dia.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)