Mulheres pregadoras e a polêmica do ministério feminino

* Por Judson Canto

Este texto reproduz, com pequenas alterações, uma reportagem do jornal O Assembleiano (ano II, n. 9, out./nov. 1991), da autoria do jornalista Ildo Campêlo. Embora a matéria tenha sido publicada há 24 anos, o tema é atual, porque a discussão sobre ministério feminino ainda está longe de acabar.

Apesar de alguns setores radicais das Assembleias de Deus, desafiando as verda­des históricas e o tempo, continuarem relu­tantes quanto à participação direta da mu­lher nos trabalhos da igreja, os fatos comprovam que o trabalho feminino na divulgação do evangelho tem sido tão pro­dutivo quanto o trabalho masculino.

Pela ótica jor­nalística, apesar de sabermos que ele é questionado, procuraremos mostrar nesta reportagem, fruto de observação e pes­quisa de mais de seis meses, que, contra to­dos os argumentos negativos, levanta-se uma verdade indiscutivelmente positiva. E que verdade é essa? A revista A Seara, edi­tada pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus, traz na edição de julho deste ano [1991] um artigo assinado por Henrique Scalco, pastor jubilado de 91 anos de idade, intitulado “Pode a mulher ocupar cargo na igre­ja?”, onde o velho ministro, com muita experiência, começa analisando o discutido versículo de 1Coríntios 14.34, onde se lê: “As mulheres estejam caladas na igreja […] como também ordena a lei”.

Discussão sobre ministério feminino: longe de acabar.

O apóstolo Paulo, se­gundo o velho pastor Scalco, referia-se es­pecificamente à situação de Corinto, cidade da Grécia onde uma lei determinava que as mulheres não deviam falar em público. E é enfático o venerado pastor: “Se o texto fosse ordem para as de­mais igrejas, entraria em conflito com ou­tros textos bíblicos que enfatizam a atuação da mulher na igreja”. Henrique Scalco en­cerra seu artigo citando Gálatas 3.28, onde está escrito: “Nisto não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há macho nem fêmea, porque todos sois um em Cristo Jesus”.

Deixemos de lado agora as sábias ob­servações do pastor Henrique Scalco e partamos para aquilo que é prático, indiscutível, ou seja, os frutos do trabalho da mulher na igreja e na evangelização dos povos, na busca das almas perdidas.

Uma das mais vibrantes e atuantes de­nominações pentecostais dos nossos dias é, sem dúvida, a Igreja do evangelho Quadrangular (IEQ), fundada por uma mulher: Aimée McPherson, que teve o mesmo arrojo e coragem dos grandes homens de Deus que fizeram história à frente dos grandes movimentos evangélicos. Por esse motivo, a IEQ costuma separar mulhe­res para o ministério — pastoras — tão natu­ralmente quanto o faz com os homens.

Um fruto considerável da obra de Aimée McPherson está na cidade de Limei­ra, no interior de São Paulo. Lá, uma pasto­ra que deu seus primeiros passos no cristia­nismo dentro de uma Assembleia de Deus na pequena cidade de Jaguaruna, no Sul do Estado de Santa Catarina, lidera há mais de vinte anos uma comunidade da IEQ com mais de 5 mil membros. É a pastora Ozaide Ca­bral do Lago, 58 anos, que desde cedo se sen­tia impulsionada a pregar o evangelho. Ela revelou sentir saudades do pastor Antonieto Granjeiro Sobrinho, que a incenti­vava a prosseguir na vocação de falar do evangelho de Cristo quando ainda morava em Jaguaruna. Ozaide ingressou na IEQ depois que se mudou para Joinville. “Quan­do cheguei lá, a igreja era muito grande e ninguém me percebeu. A Cruzada [IEQ] era ainda pequena, e todo mundo lá me dava afeto. Eles me acolheram e eu fiquei ali”, lembra a pastora.

Ozaide não somente dirige com o marido, o pastor Ciro do Lago, uma grande igreja, que se estende por mais 23 congregações, como também assiste e orienta milhares de pessoas, desde as auto­ridades mais importantes da cidade até o mais modesto cidadão, mas o maior prazer da pastora Ozaide, segundo ela, acontece exatamente no momento em que ocupa o púlpito e transmite às almas necessitadas a mensagem do evangelho. “Tenho paixão pelas almas e quero as al­mas. Não tenho tempo para mim”, confessa. Na divisão das responsabilidades com o ma­rido, Ozaide ficou com a evangelização e vi­sitação, enquanto que ele, com a saúde um tanto comprometida por um espasmo cere­bral que teve há oito anos, corre menos, mas sustenta a administração da igreja e da escola, além de cuidar do ensino doutriná­rio.

De uma líder dinâmica como Ozaide, passemos a aparentemente frágil Débora Ferreira da Costa, jovem de 33 anos de idade, carioca, criada na Assembleia de Deus em São Cristóvão e que hoje se en­contra no difícil Amazonas, depois de ter passado pelo estado de Mato Grosso evan­gelizando e pregando com uma coragem que surpreende, se comparada ao seu porte físico. Ela confessou que treme toda vez que sobe ao púlpito, por causa da grande res­ponsabilidade que sente de ser fiel à mensa­gem de Deus, mas também não esconde sua alegria, quando percebe que foi usada por Ele para a salvação de mais uma alma. Dé­bora sentiu essa experiência pela primeira vez num culto ao ar livre, no Rio de Janeiro. Vivendo rigorosamente na dependência de Deus, Débora já experimentou a sensação de estar pregando, “olhar para cima e ver o céu aberto com anjos cantando e aprovando o seu trabalho”.

O trabalho da mulher no ministério da evangelização também já proporcionou seus frutos entre os batistas. Eles tiveram, por exemplo, na sua heroína de Craonópolis, Noemi Campelo, pioneira do difícil traba­lho de evangelização dos índios. Missionária na tribo dos craôs, morreu no início da sua obra, vitimada por uma moléstia tropical, deixando um exemplo de submissão à cha­mada de Deus.

Neste nosso trabalho de pesquisa e ob­servação, fomos encontrar em Manaus uma simpática senhora de 42 anos de idade, Rosélia Farias de Mendonça, pronta para penetrar no interior do Amazonas e realizar um trabalho específico de evangelização de crianças e o levantamento de lideranças femininas para a obra do Senhor. Culta, inteligente e profunda conhecedora da Bíblia, Josélia, que enfrenta o púlpito com perfeita consciência de sua responsabilidade — o que nem sempre tem ocorrido por parte de muitos pregadores —, sabe, entretanto, que na sociedade machista em que vivemos existem restrições quanto à presença da mulher o púlpito. Isso não a impede de prosseguir em sua marcha, ou, como afirma, “na marcha que lhe foi determinada por Deus”, que é, depois de realizar seu trabalho na Amazônia, dirigir-se para a África com sua companheira Débora também para evangelizar.

As restrições enfrentadas por Rosélia, ditadas pelo machismo, são também enfrentadas pela jovem Rute Corrêa, 23 anos, que, em companhia de duas outras moças, Kátia, de 21 anos, e Luciene, de 23, realiza trabalhos de pregação da Palavra em campanhas evangelísticas e especialmente em encontros de jovens. As três, que são assembleianas e gravitam no eixo da Grande Florianópolis, sabem que biblicamente não estão tomando lugares de homens, mas apenas — a exemplo do que fa­ziam muitas mulheres do Novo Testamento, que ajudaram no ministério de Paulo — participando de um trabalho específico para o qual “o Senhor as chamou”. Rute já chegou a ouvir no púlpito, vinda da retaguarda composta de elementos masculinos, uma maldosa insinuação: “Por que também não usa gravata?” — prova de que os que acham que pregar “é coisa de homem” estão vivos e ativos nas Assembleias de Deus.

É interessante, porém, notar que a maioria das mulheres que se dedicam à pre­gação da Palavra, ao trabalho missionário, carecem da sustentação moral e do auxílio de uma companheira. Rute iniciou seu mi­nistério de pregação da Palavra acompa­nhando outra pregadora, Ester Ungur, e ho­je suas companheiras Kátia e Luciene também já estão quase prontas para conse­guir as próprias companheiras e segui­r cada uma para o seu lado.

Ester Ungur não iniciou seu ministério com uma companheira, mas ao lado de seu pai, o pastor João Ungur, traba­lhou no estado de Santa Catarina por mui­tos anos. Hoje ela tem uma companheira de viagem e ministério, que não é a primeira: Wilma Lúcia Duarte, 53 anos, a mesma ida­de de Ester. Wilma diz que o púlpito para ela é a tribuna de Deus, que sente uma grande responsabilidade, mas também uma grande força, quando vai entregar a mensa­gem. Ester também tem a mesma ideia do púlpito. Sobre o machismo nas Assembleias de Deus, ela confirma ter enfrentado difi­culdades por serem muitos os que não con­cordam com a presença da mulher no púlpi­to. “Certo ou errado, a gente está fazendo aquilo que Deus nos tem mandado fazer”, defende-se. Apesar das reclamações, Es­ter concorda em que o pastorado é uma respon­sabilidade dos homens, “a não ser no caso de uma chamada específica”, onde não haja homens com capacidade para exercer este ministério.

O Brasil hoje está cheio de mulheres que pregam, evangelizam, dirigem congregações, enfim, fazem a obra de Deus. Vimos recentemente, no interior do Amazonas, vá­rias congregações dirigidas por mulheres, que vêm produzindo seus frutos. Mas não é só no interior do Amazonas que isso aconte­ce. Na região do vale do Jequitinhonha, no vale do São Francisco, no seco sertão nor­destino, mulheres e mais mulheres têm obe­decido à chamada de Deus e com humilda­de se dedicado à sua obra, dedicação esta que tem ultrapassado fronteiras, como é o caso do trabalho realizado por Miriam Lins Fernandes, 46 anos, que testemunhou ter sido curada por Deus de um tumor maligno para que tivesse oportunidade de realizar um grande trabalho na Bolívia. Hoje, de volta ao Brasil, ela espera a orientação de Deus para saber onde sua missão vai conti­nuar: se numa pequena cidade do interior do Brasil, se na China, Coreia ou num país africano.

As mulheres também se dedicam ao ensino, como é o caso da assembleiana Mary Hoover, que nasceu no Canadá, mas vive no Brasil desde 1958 e com o marido, Thomas Reginaldo Hoover, traba­lha na formação e treinamento de professo­res para a escola dominical. Uma das matérias que Mary leciona é justamente “Ministério da mulher”, que tem por obje­tivo orientar as representantes do sexo fe­minino no trabalho junto à igreja e à famí­lia.

Enquanto Miriam, Rosélia, Débora, Ester, Mary e Ozaide, já experimentadas no trabalho, dão prosseguimento às suas missões, em Joinville a jovem Rosângela Ba­tista Rodrigues, 21 anos, filha de família tradicionalmente católica, mas criada por uma avó crente que não a esquecia em suas orações, apesar de convertida há apenas cinco anos já se exercita no ministério de ocupar o púlpito nos cultos ao ar livre ou nas reuniões de mocidade da congregação da Assembleia de Deus que frequenta, no proletário bairro Portinho. Rosângela rece­beu influência direta do modo de ser de Ru­te Corrêa e sabe que terá muitos obstáculos a enfrentar, mas já perdeu a inibição inicial, porque se acredita ungida por Deus para um grande ministério. Ela pode representar a situação de centenas, ou, quem sabe, mi­lhares de outras moças que estão se preparando, às vezes até sem a devida assistência de suas igrejas, para um tipo de vida cujos sacrifícios exigidos são apenas do conhecimento dc Deus.

É impossível negar o ministério das mulheres ou rebaixar sua importância no Reino de Deus. E para isso elas contam com um testemunho poderoso: o das Escrituras. Tanto pela exposição do pastor Henrique Scalco, quanto por outros exemplos da Bí­blia, a presença feminina nos púlpitos e no campo missionário tende a crescer, não só pela carência de obreiros, mas também pela urgên­cia dos tempos finais. Desde o início da existência da igreja na terra elas já apare­cem. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, entre seus amigos e cooperadores na obra do Senhor envia saudações a muitas mulheres que participavam diretamente da disseminação da Palavra. Desde Eva até Maria e em todo o Novo Testamento não faltam exemplos de que a mulher não pode fi­car fora das realizações humanas e divinas.

Bem melhor que impor um machismo exacerbado é, com certeza, agradecer a Deus pelas almas que foram alcançadas pela mensagem do evangelho através das mulhe­res que pregam, sofrem e lutam nos lugares mais difíceis, passando pelos mes­mos perigos que os homens e realizando obras tão grandes ou maiores que a destes.

Fonte:

https://judsoncanto.wordpress.com/2015/03/28/mulheres-pregadoras-e-a-polemica-do-ministerio-feminino/

Comentários

  1. Os contrários não se contentam. Para eles o trabalho feminino é da submissão. Interessante notar que: 1) Mulheres como Helena Raquel e Kelem Gaspar falam nas ADs Brasil afora, sem impedimento. É uma dissimulação; 2) Convidam pastoras para os congressos de EBD como o que aconteceu recentemente. Então, é só conversa fiada.

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  2. Muitas santas mulheres de DEUS pregam o Evangelho mas, biblicamente NÃO HÁ RESPALDO BÍBLICO prá o Pastorado Feminino.

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  3. Mulheres não precisam de títulos pra pregar o evangelho, aliás, não se precisa de título pra falar do amor de Deus!

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