CGADB de 1985: um pouco além da história oficial

A história trás respeitabilidade e legitimidade a uma instituição, seja ela política, financeira, empresarial ou religiosa. Sendo assim, todo grupo institucional procura não só contar sua história, mas também controlá-la. E nesse processo, selecionam-se as informações, omitem-se outras, e na construção da narrativa histórica procura-se dar um tom edificante e moralista para os fatos que serão escritos e perpetuados no imaginário coletivo. 

Com as Assembleias de Deus no Brasil não é diferente. Com as proximidades do centenário, e de outras datas significativas, sua liderança através da CPAD, procurou contar (ou recontar em alguns casos) a história da igreja e de seus líderes. Porém, como também é de praxe em toda instituição, passa ao largo de vários pontos polêmicos, e deixa vácuos enormes no entendimento da história. Somente nas entrelinhas que se percebe que algo não foi bem.


Livro da CPAD: história na ótica oficial da liderança atual
Um claro exemplo disso acontece no livro História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, quando se conta sobre a CGADB de 1985. Foi nessa convenção nacional, que se elegeu a chamada "chapa do consenso", ou seja, uma chapa única, eleita por aclamação para presidir a CGADB no biênio (1985-87). A eleição, conduzida pelo presidente do biênio (1983-85) Manuel Ferreira da AD de Madureira foi descrito como o "grande acontecimento da Convenção Geral" e representava a unidade da igreja, sendo idealizada num encontro de lideranças ocorrido em João Pessoa/PB.

Na leitura que se faz dessa eleição - segundo Silas Daniel - "histórica e emocionante" há sempre um clima de expectativa, de interrogação, de apreensão caso a "chapa do consenso" não fosse eleita. Porém, não há menção direta aos conflitos, ou as divergências motivadas por políticas eclesiásticas. O que estava acontecendo? Na leitura, pura e simples dos fatos e da forma como foram colocados os acontecimentos, o leitor fica no vácuo.

Segundo Edson d'Avila, em sua tese Assembleia de Deus no Brasil e a política: uma leitura a partir do Mensageiro da Paz  havia o temor de que Manuel Ferreira buscasse a reeleição dentro da instituição. Percebendo a manobra, líderes assembleianos teriam idealizado a "chapa do consenso" meses antes, justamente para evitar a reeleição do líder de Madureira. A expectativa era de que a Mesa Diretora da CGADB (formada em grande parte por pastores de Madureira) não homologasse a "chapa do consenso", mesmo sendo apresentado um documento com 101 assinaturas em apoio a mesma. Caso Manoel Ferreira buscasse a reeleição, poderia haver uma ruptura na denominação naquele momento. Por isso o clima de tensão evidenciado na leitura da obra de Silas Daniel.

Manuel Ferreira, em suas memórias conta que, pelo trabalho de união, reconhecimento de ministérios e organização de encontros de lideranças em nível nacional, sua reeleição teria sido até sugerida por outros pastores não ligados ao ministério de Madureira, porém ele não teria aceito a proposta, e num acordo de cavalheiros prevaleceu o apoio a "chapa de consenso". 

Mas segundo o Bispo, nessa Convenção Nacional "trabalharam muito para desmanchar esse acordo". Resta saber o seguinte: quem teria trabalhado para frustrar um acordo da liderança nacional? Obreiros ligados a Madureira ou a Missão? Ou simplesmente jogo de palavras para não admitir e pressão dos líderes descontentes com a proposta de um recondução ao cargo máximo da instituição?

Segundo Ferreira, houve também um entendimento, no qual haveria sempre na CGADB uma Mesa Diretora representando tanto Madureira como a Missão. Acordo esse não honrado na CGADB de 1987. Mas não deixa de ser uma ironia, de que a "chapa do consenso" revelava mais desunião do que o nome supostamente queria evidenciar. Coisas da história assembleiana, contradições da história contada pela ótica oficial.

Fontes:

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

d'AVILA, Edson. Assembleia de Deus no Brasil e a política: uma leitura a partir do Mensageiro da Paz, 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

PRATES, Denise; FERNADES Renato. Tributo ao Centenário da Assembleia de Deus no Brasil. Madureira, RJ, 2011.

Comentários

  1. Ironicamente (ou propositadamente), por "consenso" todos os ministros de Madureira foram desligados da CGADB em 1989, evidenciando tramas políticas da denominação que se arrastavam a muito tempo e que logicamente não são lembradas pela historia oficial, mas podem ser percebidas nas entrelinhas.

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  2. então hoje nos falta !consenso"? Ou será que está a nos faltar outras coisinhas mais? Paz.

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