Virgil Smith - uma vida pentecostal

A história de sua vida poderia virar um filme tamanho as reviravoltas e aventuras. Pode-se dizer com certeza que Virgil Frank Smith (1902-2000), nos seus quase cem anos de existência "surfou" nas "ondas" do pentecostalismo brasileiro. Sua vida e ministério acompanhou as transformações do pentecostalismo tupiniquim.

Nascido nos EUA, Smith era filho de um pregador e teve uma sólida formação teológica. No ano de 1927, é enviado ao Brasil pela Igreja de Cristo. Na cidade de Garanhuns no Agreste pernambucano, Virgil estudou o português por três meses, frequentando a Igreja Presbiteriana da cidade juntamente com seu conterrâneo Orlando Boyer, também pertencente à Igreja de Cristo.

De toda a sua extensa biografia, além de constar seu pioneirismo na pregação do evangelho pelos Estados de Pernambuco, Alagoas e Ceará; Virgil é conhecido por ter sido feito refém do temido cangaceiro Lampião. Desse encontro, além de evangelizar o famoso cangaceiro, ouviu as seguintes palavras: "Nós dois estamos tentando corrigir as pessoas. Vocês, pregadores, com a palavra de Deus; e eu, com a palmatória e o ferro quente".

Virgil Smith nas comemorações dos 50 anos da IEADJO

Tempos depois conheceu outra personalidade mítica do nordeste: o padre Cícero, do qual recebeu permissão para pregar o evangelho na região de Juazeiro e do Crato. Em todas essas andanças, Smith e sua esposa, recebem a experiência pentecostal e estreitam laços com os missionários suecos da Assembleia de Deus no Brasil.

Em 1936, o norte-americano é recebido como membro das Assembleias de Deus no Brasil. Permaneceu trabalhando na região nordeste até que no dia 20 de fevereiro de 1941, o casal Smith assumiu oficialmente o pastorado da AD em Joinville, Santa Catarina.

Quando Virgil iniciou seu trabalho em Joinville, a igreja se reunia numa casa alugada e era dirigida pelo então presbítero Manoel Germano de Miranda, um dos pioneiros da AD catarinense, um homem muito simples. Com maior visão administrativa e preparo teológico, o texano  aprimorou diversos departamentos, abriu congregações, e ministrou conhecimentos teológicos para os obreiros. Tirou a igreja do aluguel e conseguiu a proeza juntamente de comprar um terreno, construir e inaugurar em apenas dois anos o antigo templo sede da AD em Joinville, o qual na época foi considerado um dos maiores templos evangélicos do país.

Juntamente com J. P. Kolenda estruturou a convenção da AD em Santa Catarina. No âmbito nacional, Smith participou de diversos debates, principalmente sobre a criação de institutos bíblicos nas ADs, tema polêmico e visto com muitas reservas pela liderança sueca e nacional. Fez parte do conselho administrativo da CPAD e de campanhas para arrecadação de fundos para a editora.

Apesar de todas essas atividades algo não ia bem. Jason Tércio ao traçar um perfil do missionário norte-americano faz a seguinte observação sobre Smith em seu livro Os Escolhidos: "Em 1945 estava em Joinville, Santa Catarina, organizando uma rede evangelística a partir de um salão alugado. A Assembleia de Deus não o satisfazia".

Tanto não o satisfez, que em 1953, Virgil se desligou da AD em Joinville e foi para São Paulo realizar campanhas evangelísticas com os também norte-americanos Harold Willians e Raymond Boatringht da Cruzada Nacional de Evangelização. A partir de então, Smith começou a desenvolver novos projetos e dar novos rumos ao seu ministério.

Smith era um aventureiro, um homem irrequieto, movido pelo desejo de evangelizar e abrir novas frentes de trabalho. Suas aventuras no nordeste brasileiro, sua mudança da Igreja de Cristo para a nascente AD e depois sua adesão ao trabalho da Cruzada Nacional de Evangelização revelaram alguém com disposição para assumir riscos e aberto a novas ideias e experimentos. Segundo Tércio:

"Virgil Smith estava interessado numa tática diferente de evangelização, mais abrangente, como fazia a Igreja do Evangelho Quadrangular, também originária dos Estados Unidos. A Quadrangular estava trazendo para o Brasil um novo conceito de evangelização, que correspondia mais às aspirações de Virgil. Os cultos não deveriam ser realizados apenas em templos e ao ar livre. Era preciso atrair multidões de ouvintes. E para tanto, só mesmo tendas de lona e grandes auditórios, ginásios esportivos, estádios."
 
Por outro lado, encontramos uma AD em processo de institucionalização com crescentes disputas de poder. Em muitos momentos, os missionários norte-americanos rechaçados nas questões de institutos bíblicos e nos métodos de trabalho e evangelização. Os obreiros dos EUA tinham os dólares (ou facilitavam sua chegada), mas eram vistos com reservas. Smith, conhecedor das estruturas de poder coronelistas do nordeste, talvez tenha começado a perceber dentro da denominação o coronelismo eclesiástico.

Porém, sintonizado com as novidades da época e insatisfeito com as ADs, Virgil, deixa a primeira "onda" do pentecostalismo tão bem representada pela AD e vai "surfar" na segunda "onda" trazida pela Quadrangular. O escritor Ismael dos Santos em seu livro Raízes da nossa fé resumiu muito bem o sentimento do missionário norte-americano:

"E, mesmo aceitando o desafio de construir em Joinville, naquela época, um dos maiores templos evangélicos do Brasil, sua paixão pelo evangelismo o levou a confessar: "O templo foi construído na rua principal da cidade e era o edifício mais conhecido. Mas, em comunhão com Deus, apareceu-me a pergunta: Quantas pessoas frequentavam o seu templo? A resposta que eu podia dar era que não mais de mil pessoas frequentavam aquela igreja. Então a voz do Espírito Santo em mim dizia: E quem está ministrando aos outros vinte e dois mil habitantes?"

Outro fator que contribuiu para o desligamento do missionário: desentendimentos com os pastores catarinenses e uma possível perseguição por parte desses obreiros. Não por acaso, que Smith e JP Kolenda deixaram Santa Catarina na mesma época. São histórias dentro da história da AD catarinense. Um dia serão contadas...

Fontes:

ALENCAR, Gedon. Assembleia de Deus-origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ____. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994. 

SANTOS, Ismael. Raízes da nossa fé: A história das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus em Santa Catarina e no Sudoeste do Paraná. Blumenau: Letra Viva, 1996.

TÉRCIO, Jason. Os Escolhidos - a saga dos evangélicos em Brasília. Brasília: Coronário, 1997.

Comentários

  1. Mário Sérgio,

    Parabéns pela matéria. Conheci o missionário Virgil Smith na inauguração do atual templo-sede da AD de Joinville. Em sua sua pregação, na qual percebi um tom de crítica, ele disse: "Precisamos construir templos para o povo". Isso combina com o perfil traçado no seu artigo.
    Não sei como é o seu dia a dia e a sua agenda, mas quero deixar aqui o meu incentivo para que você continue esse trabalho sério de em torno da história da AD, se possível publicando artigos mais amiúde. Seu blog tem tudo para ser um dos mais importantes para quem deseja conhecer a história da denominação.

    Grande abraço.

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  2. Judson,

    Desejo na medida do possível, escrever mais textos e aprofundar outras questões históricas das Assembleias de Deus. As vezes é difícil, pois é preciso de fontes variadas, leituras e reflexões para se escrever sobre a história da denominação de uma forma um pouco mais crítica. Obrigado pelas palavras de incentivo.

    Um grande abraço!

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