A Assembleia de Deus em Porto Alegre: sucessões tumultuadas (parte 1)

É de conhecimento da maioria dos estudiosos, que a história das Assembleias de Deus é escrita com o objetivo de edificação dos fieis. Assim, para os desavisados ou mais ingênuos, tudo nela (a história) surge pintado em tons róseos, heroicos e celestiais. Só se percebem conflitos, divisões e paixões humanas nas entrelinhas da escrita, naquilo que inevitavelmente vem à tona em forma de contradição de informações, ou em trabalhos de pesquisadores sem vínculos formais com a denominação.

Nos últimos anos, tem se multiplicado o número de trabalhos acadêmicos, que visam contextualizar a história da AD. Fruto de pesquisas e discussões historiográficas, esses trabalhos possuem o mérito de preencher lacunas históricas e humanizar o processo de expansão e crescimento da igreja no Brasil. Alguns trabalhos, trazem informações interessantes, que lançam luz sobre eventos esquecidos da memória assembleiana.

Nordlund: excesso de centralização?

Um desses trabalhos é do sociólogo Deivis Vânio Lopes em sua dissertação de mestrado intitulada A Organização Eclesiástica da Assembleia de Deus em Canoas/RS. O objetivo do estudo, como o título já indica, é analisar a estrutura organizacional da igreja, sua administração, relações de poder, as práticas religiosas e estratégias dos líderes da AD de Canoas. Mas para fazer toda essa análise, o autor teve que se deter um pouco na história da igreja em terras gaúchas. Sendo filho de pastor e de família assembleiana, com um passado de várias atividades na denominação, Deivis teve acesso a vários pastores e fontes, os quais lhe ajudaram em sua tese a escrever a história da denominação no RS com acréscimos de detalhes não revelados pela historiografia oficial.

Em sua tese, por exemplo, Deivis esclarece os motivos da saída do missionário sueco Gustavo Nordlund do comando da AD do RS. Nordlund, aparece na história da AD como pioneiro do pentecostalismo em terras gaúchas. Organizou a denominação no estado em 1924, construiu templos na capital e no interior e no ano de 1951, recebeu e presidiu a CGADB em Porto Alegre. Por essas razões, Gustavo Nordlund está colocado no panteão dos heróis da AD. Na leitura de sua biografia, após todas essas informações, apenas se diz que o grande pioneiro foi substituído pelo missionário norueguês Nils Taranger em 1955, depois de ficar 30 à frente do trabalho pentecostal no RS. Não há informações que justifiquem sua saída (como por ex: enfermidade, transferência para outra igreja ou aposentadoria) e se percebe uma lacuna na história oficial. 

Deivis esclarece, que os motivos da saída de Nordlund foram políticos, pois um grupo dissidente da AD gaúcha pretendia assumir o controle da denominação, sendo que o estopim da crise foi uma manifestação contrária ao missionário num templo da AD na cidade de Canoas, onde se comemorava os 30 anos da AD no estado gaúcho. Nesse fatídico dia, os dissidentes entraram na igreja, e aos gritos, tentaram tirar os pastores  de cima do púlpito, sendo que em sequencia se iniciou uma briga generalizada só encerrada com a chegada da polícia. Deivis informa ainda, que outras igrejas foram invadidas, pichações nos muros da cidade foram feitas e programas de rádio utilizados para gritar palavras de ordem contra o missionário. Como resultado de tudo isso, o pastor sueco renunciou à liderança da igreja e um grupo de três pastores escolheu o novo líder da igreja gaúcha. Nils Taranger foi escolhido e conseguiu pacificar a igreja, implantando um novo modelo de gestão eclesiástica para o trabalho no estado.

Diante de tantas informações, pode-se indagar: quais os motivos para toda essa confusão em torno de uma liderança como Nordlund? Algumas pistas para responder a essa questão, se encontram na trajetória ministerial de Gustavo, nos atos de seu sucessor, assim como no contexto das ADs na época. Informa-se, que Nordlund em 1927, esteve por sete meses na Suécia. Nesse período, outro sueco, o missionário Nels Nelson, supervisionou a obra. Nota-se, principalmente nesse caso, certa centralização dos suecos; centralização essa questionada na Convenção Geral de 1930. Será que ainda depois de 1930, Nordlund não continuou excessivamente centralizador, e nessa postura contribuiu para que o sentimento nacionalista dos gaúchos se exacerbasse com manifestações de maior autonomia? Sabe-se que por todo o Brasil, dentro das ADs, vários ministérios estavam se formando tendo como justificativa o desejo de  se criar igrejas brasileiras em oposição às igrejas dirigidas pelos suecos.

É importante notar, que Nils Taranger logo após, ao assumir o controle da igreja e pacificar os ânimos, criou a Convenção Estadual da Assembleia de Deus no RS (CIEPADERGS) e deu autonomia a 15 campos que anteriormente estavam subordinados a igreja de Porto Alegre. Nesse modelo de administração, o controle ainda permanecia para o missionário norueguês, mas proporcionava maior autonomia aos outros líderes. Seria à prática daquela máxima imperialista "dividir para melhor dominar"?

Taranger, continuou à frente da AD gaúcha por mais de 40 anos. Porém, tal como seu sucessor, não conseguiu uma sucessão pacífica para a igreja de Porto Alegre. Mas isso é assunto para a próxima postagem.


Fontes:

ALENCAR, Gedon. Assembleia de Deus-origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ____. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.


LOPES, Deivis Vânio. A Organização eclesiástica da Assembléia de Deus em Canoas/RS. – Porto Alegre, 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS.










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