Joaquim Marcelino da Silva - entrevista histórica

O pastor Joaquim Marcelino da Silva foi um dos principais pastores das ADs no Brasil e por duas vezes exerceu a vice-presidência da Junta Executiva da CGADB. No período que liderou a AD em Santo André/SP, a igreja paulista hospedou a Convenção Geral em 1966 e 1975.

O Mensageiro da Paz, em janeiro de 1969, publicou uma rara entrevista com o líder assembleiano, que no fim da década de 1940, era carregador da mala do pastor Cícero Canuto de Lima e por ele foi ordenado pastor em 1948. É possível que sonhasse ser sucessor do velho "timoneiro", pois era um dos obreiros mais preocupados com a sucessão de Cícero.

Na entrevista, Marcelino comenta assuntos reveladores de como os pastores assembleianos encaravam o que eles chamavam de "inovações". Também não faltou críticas à televisão, na época considerado o grande perigo para a vida espiritual. Vale lembrar que foi gestão do pastor Joaquim Marcelino, em Santo André, que a CGADB de 1975 produziu o famoso documento normatizando as regras dos usos e costumes da igreja.

Amor à simplicidade - Joaquim Marcelino dizia amar "a simplicidade". Para ele não havia base bíblica ou virtude no ato de cortar fitas simbólicas nas inaugurações das igrejas ou lançamento de pedra fundamental. "Faço apenas um culto de ação de graças e agradeço a benção que nos concedeu" - comentou. Segundo o veterano pastor, o então líder do Ministério de Belenzinho, Cícero Canuto de Lima e outros pastores do Ministério também pensavam da mesma maneira.

Pastor Joaquim Marcelino (1916-2004)

Desfiles públicos - "Penso apenas que é uma inovação adotada pela igreja e sem base bíblica...". Todavia, o pastor Joaquim admitiu realizá-los para satisfazer os crentes da sua igreja, mas não se sentia bem com essa postura. Seria uma forma de não descontentar totalmente os fiéis.

Segundo o historiador Maxwell Fajardo em seu livro “Onde a luta se travar”, as observações negativas de Marcelino sobre os desfiles e as críticas sobre o descerrar de fitas simbólicas ou lançamento de pedras fundamentais nas igrejas eram indiretas ao Ministério de Madureira, que utilizava das "inovações" desaprovadas pelo líder paulista.

Doutrina - "A questão doutrinária, a doutrina bíblica está muito ameaçada, as organizações estão começando a substituir o brilho do Espírito Santo". Outra coisa apontada pelo antigo líder da AD em Santo André: o tempo de pregação da Palavra estava sendo ocupado por cânticos. "precisamos voltar à simplicidade e beleza primitivas".

Televisão - Perguntado sobre o uso da televisão, o pastor Joaquim foi enfático: "Acha-o perigoso e ameaçador da doutrina". Conta ele ainda que a redução de aparelhos de televisão em sua igreja foi uma vitória. Antes, 70 famílias possuíam TV, mas depois de muitos pedidos, somente três casas resistiam ao Senhor "apesar de terem sido grandemente castigadas".

Surge então a dúvida: quem estava castigando? O veterano obreiro fala que as famílias resistiam "ao Senhor", entretanto, ele mesmo observou que, quando começou "a agir, o povo começou a vender seus televisores com a maior das facilidades e alegria". Seria o abandono da TV, uma ação divina ou repressão pastoral?

Institutos Bíblicos - "Nosso Ministério aqui em São Paulo é contrário" - assegurou Marcelino. Na opinião do pastor, os institutos bíblicos só deveriam existir para os vocacionados ao ministério e não para "os irmãos em geral". A explicação é no mínimo pitoresca: "porque estes não têm chance [no ministério] e ao tirarem o curso julgam-se aptos pensando que essa sabedoria que aprenderam lhe darão o direito de serem obreiros...".

Na continuação, Joaquim explica que essa "sabedoria" e "vaidade" levaria ao prejuízo, pois os leigos sem vocação julgavam-se superiores aos obreiros vocacionados. "Eu dou mais valor às nossas Escolas Bíblicas" - concluiu ele. Obreiros formados nas escolas bíblicas moldavam-se melhor os sistemas eclesiais.

O líder de Santo André foi coerente com a posição dos pastores em geral sobre os institutos bíblicos, mas revelou o desconforto gerado. Havia os "vocacionados" e para estes os seminários até seriam interessantes, pois, em tese, eram obreiros submissos aos métodos das ADs. Contudo, para os “sem-chance", os institutos gerariam soberba e vaidade, trazendo prejuízos à obra.

Chega a ser uma visão controversa: havia no entender do pioneiro, os "vocacionados" e os “sem-chance" no ministério. Marcelino ainda se posiciona com preocupação sobre as organizações de assistência social ou de missões. Essas estruturas, não deveriam "suplantar a organização do Espírito".

O experiente pastor ainda desejava uma igreja espontânea, espiritual e conservadora. Uma denominação de obreiros "vocacionados" com formação nas escolas bíblicas. Mas a entrevista mostrava um sistema em plena contradição e tensões internas. Ainda mais alguns anos os conservadores resistiriam. Somente por mais algum tempo...

Fontes:

ARAÚJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

ARAÚJO, Isael de. José Wellington - Biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.

DANIEL, Silas, História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Os principais líderes, debates e resoluções do órgão que moldou a face do movimento pentecostal brasileiro, Rio de janeiro: CPAD, 2004.

FAJARDO, Maxwell Pinheiro. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. Curitiba: Editora Prismas, 2017.

Mensageiro da Paz, janeiro de 1969, ano 30, nº 1. Rio de Janeiro: CPAD.

Comentários

  1. Esses "sem chance" que é meio complicado de entender.Mas é até compreensivo por ser naquela epoca que o novo era uma ameaça,não diferente nos dias atuais.

    ResponderExcluir
  2. Sem chances no linguajar natural: Aqueles que não tem uma chamada ministerial.Fácil de entender.O que é natural,pq Deus chama a quem ele quer.

    ResponderExcluir
  3. O problema irmão JOSE ROBERTO DA ROCHA,o "fácil de entender" tem que ser no linguajar NATURAL msm,porque instituto bíblico ñ é pra que quer ser pastor ou "famosa chamada", eu como professor de historia tenho bacharel em teologia nunca pensei em ser pastor ou coisa assim ,o minimo que sou professor na EBD. Então convenhamos,bom se todos tivesse conhecimentos ou o mesmo afâ do bereianos de examinar a bíblia.Dê relida no q escrevi dps do "ponto final".O português é díficil de interpretar,ainda mais se ñ respeitarmos os pontos e virgulas
    Fica na PAZ DO SENHOR JESUS.

    ResponderExcluir
  4. Graça e paz de nosso Senhor, irmão e reconhecido historiador Mario Sergio. Sou leitor assíduo deste blog, pois me estimula a pesquisar e estudar a história de nossa denominação que independente dos contra tempos, faz parte de nossa cultura e da história do Brasil recente.
    Uma pergunta: Como posso ter acesso a periódicos antigos do Mensageiro da Paz?
    Basicamente a partir do primeiro de 1930, para minhas pesquisas pessoais. Pois faço licenciatura em História na UDESC e a história de nossa denominação me estimula mais ainda a estudar.
    Concordo com irmão Salles e digo mais, a maioria dos problemas recentes tanto do povo cristão no geral e da população brasileira é a falta de estudo, principalmente em relação ao conhecimento de nossa história.
    Fiquem na Paz que somente Cristo pode nos dar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vc pode ver no site do Relep. Lá vc encontra jornais e revistas para baixar.

      Excluir
  5. Olá. Sou neto do pastor Marcelino. Gostaria de adquirir mais informações a respeito do meu avô. Tem algum texto a respeito de sua conversão e pelas igrejas onde passou?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ele tinha parentes na cidade de Catalão Goiás, ele passou por essa região, até implantou uma igreja aqui.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)