Cícero - o esquecido desbravador das ADs em Mato Grosso

Da sua terra natal, Mossoró, no Rio Grande do Norte, ele sempre carregou o sotaque e a "marca de caráter de um homem que foi formado na luta diária contra a terra árida". Talvez isso explique a firmeza, a segurança e a obstinação do "timoneiro" Cícero Canuto de Lima (1893-1982), saudoso pastor da Assembleia de Deus do Ministério do Belém, São Paulo.

Certos fatos são conhecidos da escassa biografia de Cícero: sua rejeição aos Institutos Bíblicos e a sua controversa sucessão no Belenzinho. Como aconteceu com a maioria dos pastores que não fizeram seu sucessor, o pioneiro pentecostal (juntamente com sua família), praticamente caiu no esquecimento.

Porém, informações da vida e ministério do saudoso pastor aparecem com certo atraso, após três décadas da sua morte. Seu sucessor, o pastor José Wellington Bezerra da Costa (em sua biografia escrita pelo jornalista Isael de Araújo) e o pastor Jesiel Padilha no livro biográfico sobre seu pai, o veterano pastor Carlos Padilha, lançam luzes sobre os feitos e a personalidade de um dos grandes ícones das ADs.

Cícero entre os obreiros do Mato Grosso

Nas duas obras, há relatos do pioneirismo de Cícero em promover esforços na evangelização do Mato Grosso, na época, uma região desprovida de infraestrutura e de acessibilidade. Se Madureira foi pioneira em Goiás, o Ministério do Belém, através do seu líder, desbravou uma região inóspita e carente de recursos materiais.

No final da década de 1940, Lima fez sua primeira viagem ao Mato Grosso. No velho carro usado por ele, além da Bíblia e da "matula" (merenda), o "timoneiro" também levava um "coração cheio de amor pelas almas". Em cada local de parada, um ponto de pregação se formava. Pregadores eram deixados pregando sob a copa das árvores.

Tempos depois, três vezes por ano, Cícero organizava viagens de São Paulo para o Mato Grosso levando recursos e dando posse a obreiros desejosos de trabalhar em locais tão ermos. Todo longo e cansativo percurso era feito de carro em estradas sem asfalto com muita poeira, buracos e travessias em balsas. Detalhe: sem paradas em restaurantes para não gastar. Nas memórias do pastor Carlos Padilha, consta que as excursões eram "regadas à farofa".

Mas para quem andou a pé ou de jumento no árido sertão nordestino, até que o desconforto das longas viagens não eram tão pesadas. José Wellington lembra, que na primeira viagem ao Mato Grosso, Cícero com seu carro velho chegou a Campo Grande e o deixou de presente para a igreja. Voltou a São Paulo de trem e de boas expectativas para a evangelização no Centro-Oeste.

Os primeiros templos das ADs foram erguidos ou comprados pelo Ministério de São Paulo. Contudo, ao contrário de Macalão, que em 1958 organizou juridicamente as igrejas vinculadas a Madureira no famoso Estatuto Padrão, o pastor Lima optou por não fundar uma convenção própria. Padilha afirma, que ele era contra esse tipo de organização. Para o pioneiro, as ADs deveriam ter apenas Ministérios.

Por esse motivo, a iniciativa da AD de Mato Grosso de fundar sua própria convenção foi uma verdadeira "punhalada no coração do velho" - explicou o pastor Costa em suas memórias. E muito mais do que uma "punhalada", foi pior a decisão do pastor Eliseu Feitosa de Alencar de Campo Grande, no atual Mato Grosso do Sul, de romper com o Ministério de Belém em 1972.

Com a destituição do "timoneiro" da presidência do Ministério, as igrejas fora dos limites do Estado de São Paulo puderam organizar suas convenções. O próprio Ministério do Belém, na gestão do pastor José Wellington criou a Confradesp.

Em suma: muda-se o sacerdote, mudam-se as leis - e as realizações - muitas vezes ficam esquecidas...

Fontes:

ARAÚJO, Isael. José Wellington – Biografia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. 

PADILHA, Jesiel. Carlos Padilha: combati o bom combate. Duque de Caxias, RJ: CLER - Centro de Literatura Evangélica Renascer, 2015.

Folha de São Paulo, 18 de janeiro de 1982 - Acervo Folha.

Comentários

  1. Isto é o melhor da vida cristã; ser esquecido aqui e lembrado no céu! Muitos já estão sendo honrado e sendo lembrado constantemente aqui na terra,e totalmente esquecido e desconhecido no Céu! o que Cícero canuto de Lima fez, tá tudo anotado no livro DaquEle que não dormita um só segundo!

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  2. Pr. Cícero Canuto de Lima não amava o "status", amava a CRISTO, a família a Obra confiada a ele: Desonrado na Terra, honrado nos Céus. Simples assim!

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