Valéria Vilhena - feminista evangélica

* do site UOL

De berço evangélico pentecostal, Valéria Vilhena se incomodou na juventude com as restrições ao corte de cabelo, ao modo de se vestir e de se comportar impostos pela igreja. "Me vi feminista muito cedo", diz a teóloga, que é mestre em ciências da religião e doutora no programa Educação, História da Cultura e Artes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Ao longo da vida, frequentou diferentes templos cristãos, percebeu outras restrições às mulheres e, sem encontrar o seu lugar, decidiu abandonar a igreja, mas não sua fé. Em 2015, fundou, ao lado de outras mulheres, o EIG (Evangélicas pela Igualdade de Gênero), movimento para discutir temas relacionados à violência contra a mulher e à igualdade de oportunidades nas estruturas religiosas.

Em novembro de 2016, Vilhena viu sua pesquisa virar notícia, sem crédito, em sites e nas redes sociais sob o título "40% das mulheres que sofrem violência doméstica são evangélicas". O dado está em seu livro "Uma Igreja sem voz: análise de gênero da violência doméstica entre mulheres evangélicas", estudo qualitativo feito na Casa Sofia, espaço de acolhida para vítimas localizado na zona sul de São Paulo.

Valéria Vilhena: opiniões polêmicas

Em entrevista ao UOL, Vilhena falou sobre feminismo, cultura do estupro, violência doméstica e critica políticos ligados à religião.

UOL - Como você recebeu a notícia de que sua pesquisa estava em vários portais evangélicos?
Valéria Vilhena - O que eu coloquei na pesquisa é que aproximadamente 40% das mulheres atendidas na Casa Sofia, que era o meu campo de pesquisa, se declaravam evangélicas. Então, é uma amostragem de pesquisa. Isso viralizou, mas eu arriscaria que a porcentagem pode ser maior. A cada 4 minutos uma mulher agredida dá entrada no SUS [Sistema Único de Saúde]. Quantas dessas mulheres me responderiam que são evangélicas? Esse estudo a gente não tem.

UOL - Como você chegou a essa informação de que quase metade das atendidas na Casa Sofia eram evangélicas?
Vilhena - Foi na época do meu mestrado, fui escolher meu campo de pesquisa. Nas delegacias, achei que seria muito difícil angariar dados, então decidi ir para as unidades de atendimento: a Casa Eliane de Grammont [na Vila Mariana] e a Casa Sofia [no Jardim Dionísio]. Em ambas, a questão da religião e violência doméstica precisavam ser analisadas. A diferença é que a maioria das mulheres da Casa Eliane de Grammont, segundo as profissionais, se declarava Seicho-No-Ie. Então, elas pensavam: "eu estou pagando pelo meu karma". Essa "justificativa" religiosa precisava ser observada. E na Casa Sofia, na primeira visita, a assistente social falou para mim: Valéria, a gente tem mais dificuldade com as mulheres evangélicas, porque elas abandonam mais o tratamento oferecido.

UOL - Por quê?
Vilhena - Isso que eu queria entender. E aí algumas coisas o campo me mostrou, como, por exemplo, a questão do medo. Marquei uma entrevista com uma mulher evangélica e, no dia recebi um telefonema dela. "Olha, dona Valéria, eu não eu posso ir". "Mas, por quê?". "Não, porque o meu marido falou que essas coisas sempre vão para a televisão". Eu falei: "eu tenho um compromisso com a senhora, não vai ser divulgada imagem nem o nome da senhora. Mas por que a senhora contou para o seu esposo?". "Porque eu sofro violência, mas ele também é o meu pastor, ele é a voz de Deus na minha vida. Eu não vou conseguir ir". Isso foi recorrente. Elas desistiam, não iam. O medo é um ponto, mas eu acho que é muito importante falar do aconselhamento pastoral. Quando essa mulher vai procurar o seu pastor para dizer que ela está sofrendo violência, normalmente ela não recebe apoio, o pastor aconselha mais submissão, em nome de Deus: "Seja sábia, fique calada, não enfrente". A questão da interpretação, da hermenêutica da teologia, acaba fortalecendo ainda mais esse quadro de violência contra as mulheres no meio evangélico, porque a teologia que é passada é a da obediência ao marido. Normalmente, essas mulheres acabam culpando o satanás, o inimigo, o diabo, algo externo. Elas não conseguem olhar para a própria relação de violência que vivem.

UOL - Neste ano, muito se discutiu sobre a cultura do estupro. Você acha que ela ganha eco também nesses espaços de fé, nessas comunidades religiosas?
Vilhena - Acho que é importante pensar e admitir todo tipo de violência dentro das igrejas. Eu costumo falar para os evangélicos: "infelizmente, é aquele irmão bacana, que te dá 'a paz do senhor', que é o agressor, que tem potencial de ser agressor". Se a gente pensar na cultura do estupro, tenho doutrinas na igreja que são muito mais rígidas com as meninas do que com os meninos. Nós, mulheres, é que provocamos com as nossas roupas, com a nossa maquiagem, com o nosso brinco. A partir do momento em que eu reproduzo esses discursos, dou uma base doutrinária, teológica, para que as mulheres tenham um maior cuidado em se vestir para não provocar as "vítimas", que são os homens, tenho que pensar sim na cultura do estupro. Quantos pais educam as filhas diferentes dos filhos? Se há um tratamento diferente para meninos e meninas, há violências, no plural, simbólica, física, sexual. Então a gente tem que pensar sobre isso.

UOL - Vocês são convidadas por igrejas a discutir esses assuntos?
Vilhena - Muito difícil, raro. É interessante que no fórum muitos líderes vieram nos dar apoio: "Vamos marcar um evento na nossa igreja, vamos convidá-las". Isso nunca aconteceu. O acolhimento por parte dos evangélicos dessa tal ideologia de gênero acabou prejudicando ainda mais o nosso trabalho, porque ninguém pensou, quando retirasse gênero da educação, que estariam retirando também o debate sobre as violências físicas, emocionais ou simbólicas contra as mulheres, inclusive dentro da igreja.

UOL - Qual é o papel da mulher hoje nas igrejas evangélicas?
Vilhena - Quando encontramos pastoras, estão em igrejas pentecostais e neopentecostais pequenas ou fundadas por elas. Muitas mulheres da Assembleia de Deus e da Igreja Quadrangular nem conhecem suas fundadoras ou cofundadoras. Não percebem que, no início da história dessas igrejas, os homens decidiram que as mulheres dali para a frente ficariam fora. Posso dizer que a maioria dos evangélicos não têm mulheres à frente dos trabalhos. Elas são bem-vindas para serem mulheres de oração, de intercessão, para arrumar a igreja, para levar toalhinha, para cuidar da limpeza da igreja e para fazer visitas. Elas estão nos espaços de serviços, não de liderança da igreja.

UOL - Há espaço na igreja para feministas evangélicas?
Vilhena - De uns dois anos para cá, tive a feliz notícia de que havia um grupo de feministas cristãs, que tinham um blog, página no Facebook. São meninas lindas, jovens, feministas, que estão sempre atentas às pregações e discutindo as questões de gênero. Elas não têm interesse em deixar de serem cristãs, são mulheres e meninas feministas que trabalham pela igualdade de gênero e de oportunidades também na igreja. Há uma pluralidade religiosa entre as feministas cristãs e eu acho isso muito legítimo, muito bacana. A questão não é ficar discutindo: pode ser feminista e pode ser cristã? Elas não discutem isso, elas vivem o feminismo.

UOL - E como elas são recebidas nas igrejas?
Vilhena - Acho que é sempre de forma tensa. Hoje não frequento nenhuma igreja, não sou mais "igrejeira", e fico muito feliz que elas estejam conseguindo, que não fizeram o que eu fiz, de ter me afastado. O que precisa ser entendido é que gênero e religião combinam. O que não combina é a violência. A religião é mais resistente a mudanças, mas, como qualquer cultura, não é estática e dura, é dinâmica, está em movimento. Eu fui criada em uma igreja em que era pecado cortar cabelo, se depilar, usar maquiagem, calça comprida. Me vi feminista muito cedo dentro da igreja e hoje, por essas questões não serem mais consideradas pecado, muitas mulheres já se acham muito modernas, mas outras percebem que o sufocamento ainda é grande.

UOL - A bancada evangélica no Congresso se posiciona contra a conquista de alguns direitos, como casamento gay, o aborto, defende a Escola Sem Partido. Como você vê esse movimento?
Vilhena - Vejo com muita tristeza, como um profundo retrocesso. Dou aula para professores da rede pública na formação continuada e costumo falar: "se na sua religião é pecado se dar ao amor, ao afeto homo, não se dê esse prazer; se na sua religião é pecado o aborto, não cometa aborto". "Na sua religião" é seu foro íntimo, é seu sistema de fé, fé não pode ser imposta a toda uma sociedade. Agora, pautar políticas públicas baseadas na minha fé dentro de um Estado laico é, no mínimo, um grande retrocesso. Eu penso até ser ilegal. Combater a violência doméstica é aliviar o SUS, do ponto de vista econômico e de saúde pública. A violência doméstica traz prejuízo para toda a sociedade. Daí eu pauto isso sob o meu sistema de crenças? Não posso. Quando a bancada evangélica sai pregando nos púlpitos que está lá para representar a vontade de Deus ou para proteger o único modelo de família, está pautando, na realidade, homofobia, racismo, sexismo e as violências que são perpetradas por conta dessas questões, que também são de gênero.

Nota do editor: mesmo que você leitor não concorde com todas as opiniões da estudiosa Valéria Vilhena, contudo, é recomendável o debate sobre o papel feminino nas igrejas e a atuação política dos congressistas evangélicos.

Fonte:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/06/quando-a-igreja-nao-discute-genero-ela-nega-direitos-humanos-diz-evangelica-feminista.htm

Comentários

  1. Suas idéias é ante bíblicas.Pra começar não congrega en nenhuma igreja,quer disvirtuar ,Não sou feminista, sou feminina,sou cantora, sou respeitada na minha igreja ,tenho opinião, sabedoria ,Ela deveria se converter

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  2. Belíssima entrevista. Certamente as mulheres vivem numa condição de opressão que certamente precisa ser pensada e debatida em todas as congregações com embasamento teórico.

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  3. Uma mulher amada,uma mulher submissa! E ninguém consegue isto na força!Qual o segredo da igreja ser submissa a Cristo? É pq ela é amada por Ele! Quanto a separação de Mulheres para o sacerdócio, nunca que vc encontrará respaldo na Bíblia para essa aberração!Isto é coisa pra homem,será que Deus era machista ao dar essa ordem a Moisés? Jesus tb era machista quando escolheu doze machos para serem apóstolos? Ou o maior revolucionário de todos os tempos teve medinho da reação dos "machistas' da época? E pq com a morte de Judas, os apóstolos não escolheram uma mulher para ocupar o seu lugar?Poderiam escolher a mãe do mestre,afinal não seria qualquer uma! E tb na consagração dos diáconos,pq não se escolheu uma mulher como diaconisa? Que coisa, os homens de antigamente eram muitos machistas ou andavam na direção de Deus? Vcs. feministas,tem que mandar fazer uma bíblia somente para vcs. que apoiem as suas bizarrices, pq a nossa não servem para vcs! Mulher foi feita para ser ajudadora, e foi assim desde o principio,Gn 1:18, e isto em todos os sentidos! Sabe qual foi o pecado de Lúcifer? foi o de não se conforma com a missão que Deus deu a ele e querer ir além,e isto tem acontecido com muitas mulheres, o espírito de Lúcifer tem se apoderado de muitas delas. Se por acaso tem alguma mulher "pastora",lendo este meu comentário, eu te aconselho que em nome de Jesus entregue essa credencial de pastora e não vá na onda deste aloprado que te consagrou, nunca queira fazer aquilo para o qual não foste chamada por Deus! Ainda que alguém usada por satanás,tenha profetizado que vc seria pastora, não aceite, pq nenhuma profecia pode falar mais alto do que a Bíblia; e o Espírito Santo de Deus não se contradiz!

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    1. Sinceramente dar espaço pra uma feminista que ainda por cima apóia ou pelo menos se cala diante do aborto, casamento gay e outros valores contrários a Palavra de DEUS foi no mínimo desastroso ! Sou leitor assíduo deste blog mas não gostei desta entrevista. Sabemos que os filhos do diabo não nos amam, eles nos toleram e sinceramente abrir espaço pra um deles vir aqui falar num blog cristão ? Foi péssimo.

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  4. Palvras muito bem elaboradas, somente os homens de vida dubia não concordão. Aqueles que no templo demostram uma vida de mais pura santidade, mas em suas casas são verdadeiros carrascos de filhos e esposa.

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    1. Evaldo, não tenho vida dúbia! Amo demais minha esposa e a respeito, meus filhos foram criados com todo o carinho do mundo, apesar de terem nascido em um lar pobre materialmente,mais riquíssimo espiritualmente!Meu lar é um pedaço do céu na terra! Prego o que vivo e vivo o que prego! Mas não concordo com uma única virgula do que esta feminista falou! Só basta dizer que ela é apoiadora da Dilma'nta comunista, não precisa dizer mais nada!

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    2. Concordo, irmão. Já que a doutora só falou sobre violência contra a mulher e de como os maridos e pastores usam a religião para legitimar tal aberração, só quem veste a carapuça podem concordar.
      É uma pena.

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  5. Parabéns Valéria Vilhena pelo seu trabalho!!! Temos que quebrar tabus e debater temas que ainda são polêmica em algumas igrejas denominadas evangélicas. Sofri o mesmo abuso quando frequentava igrejas pentecostais como você, onde o machismo impera por parte de algumas doutrinas que olham a mulher como mera serviçal, mas vemos que muitas delas tem capacidade de liderar independente de sua religião, pois temos visto em toda a história que mesmo em outras religiões, como a católica por exemplo, onde mulheres como Madre Tereza de Calcutá e Irmã Dulce enfrentaram o preconceito e salvaram multidões e levaram o nome de Cristo segundo o seu entendimento. Mas vamos avante!!! Xô preconceito!!!

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  6. Parabéns Valéria Vilhena pelo seu trabalho!!! Temos que quebrar tabus e debater esse temas e não somente aceitar o que nos é imposto por doutrinas machistas que nada edificam a nossa fé. Digo isso porque nasci em berço evangélico pentecostal e senti na pele esses mesmo abusos. É ignorância´pensar de maneira contrária pois vemos no decorrer da história que mulheres que enfrentaram o machismo e o preconceito em suas religiões, foram instrumentos de Cristo para salvar multidões, exemplos esse que vimos dentro da igreja católica, através de Madre Tereza de Calcutá e nossa compatriota Irmã Dulce, que não se intimidaram com o autoritarismo de seus líderes em favor do necessitado. Isso, na minha opinião, é cumprir verdadeiramente o chamado de Cristo! E muito fácil subir num púlpito e ditar regras que convém a si mesmo. Porque será que esse índece de violência doméstica é tão alto no meio evangélico? Será que é o motivo seria que muitas dessas mulheres são orientadas pelos seus líderes a não denunciarem seus maridos, porque isso mostraria uma "falta de fé" em acreditar que Jesus poderia mudá-lo? Ou também seria pelo fato de ser vergonhoso para igreja esse tipo de escândalo? Hipócritas!!! Da mesma maneira que o aborto é crime para o cristianismo, para bancada evangélica e para parte da lei, a violência doméstica é crime não só contra a mulher mas para qualquer cidadão independente do gênero o idade. QUE IGREJA CONTRADITÓRIA MEU DEUS!!!!!Vamos avante Valéria!!! Xô preconceito!!! #bancadaevangélicanãomerepresenta #evangélicafeminista #evagélicasocialista

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  7. Lamentável. O que ela defende é uma ideologia de gênero que fere o Evangelho, pois coloca a mulher no centro, e não Jesus. O termo teóloga e apenas uma vocativo para tentar ocultar a agenda liberal, que está em curso no Brasil. E óbvio que qualquer tipo de violência e condenavel, mas essa ideologia é absolutamente condenavel à luz da palavra de Deus.

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