A Assembleia de Deus na Babilônia

E ouvi outra voz do céu, que dizia: Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas. (Apocalipse 18:4)

Na Bíblia, Babilônia, mais do que uma cidade antiga, capital de um espetacular império da antiguidade, também é associada de forma simbólica à idolatria, feitiçaria, prostituição e tantos outros desvios morais e espirituais. Por isso, na mensagem profética do Apocalipse, o povo de Deus é exortado a sair da civilização símbolo de todo um sistema carregado de impiedade dominado pelo Anticristo.

Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, 1946. A equipe da revista A Semana subiu os morros da Zona Sul da então capital da República, para in loco, constatar a rotina de cidadãos cariocas, que contraditoriamente viviam em condições nada “maravilhosas”, ao lado do rico e famoso bairro de Copacabana. Como observou a equipe do semanário: “Era (Copacabana) um espetáculo de beleza a dois passos da miséria.”

Um dos locais escolhidos para denunciar os contrastes entre a riqueza da “princesinha do mar” com a extrema pobreza de alguns moradores do Rio foi o morro da Babilônia, cuja exuberante e rica flora, incrustada na colina ― tal como os jardins suspensos da cidade mesopotâmica deu nome ao famoso outeiro. 

Moradores da Babilônia: AD presente no morro

Deparam-se os jornalistas, na subida do morro, com a terrível realidade de uma parcela da população do Rio de Janeiro. Viram eles velhos, jovens e crianças maltrapilhas, morando em barracos paupérrimos e precários. O esgoto corria a céu aberto, e a falta d’água fazia que muitos moradores descessem à colina para utilizar uma bica nem sempre em aberta. A Babilônia carioca, era um “subproduto de Copacabana”, na qual alguns estavam “à porta do cemitério”.

A imagem era desoladora e se agravava com a falta de locais para construção de novos barracos. Tal situação levava muitos a pernoitarem “nas praças públicas, nos desvãos das escadas, nos albergues sujos, fazendo a viagem dolorosa para o aniquilamento, para a morte".

Mas os repórteres (a essa altura ofegantes e molhados de suor) notaram que nem tudo faltava. Guiados por um barbeiro, morador do local, observaram que em meio ao aparente caos provocado pela miséria e o descaso das autoridades públicas, havia fios que denunciavam instalações elétricas no morro. Veio então a curiosidade do jornalista:

― E esses fios, - “perguntamos ao barbeiro?”

― Aqui tem luz até o salão dos crentes, - “disse apontando para uma pequena casa, um pouco adiante, assentada num terreno limpo, bem cuidada, um oásis em meio à miséria generalizada”.

Admirado registrou: “É o templo dos Evangelistas, Assembleia de Deus, como está escrito na parede um pouco desbotada”. Observou ainda que: “foi a única igreja ou capela que encontramos em nossa peregrinação. Um templo protestante. Funciona aos domingos e segundas-feiras”. 

Interessante: lá não se encontrava mercados ou lojas, porque na lógica comercial também não havia consumidores. Mas por outro lado, faltava casas de oração. O fato da Assembleia de Deus ter uma congregação em local tão íngreme revela o zelo evangelístico dos pioneiros pentecostais.

Curioso, o repórter indaga:

 ― E vai muita gente? 

― Se vai? Aqui tem muitos crentes.

Surpreso com a ornamentação do pequeno templo assembleiano na favela, o jornalista reflete: “Ficamos conjecturando que em matéria de pregação religiosa, os evangelistas nada ficam a dever em eficiência aos comunistas em seus comícios. Dizem os crentes que com eles está a verdade. Não sabemos nem discutimos questões religiosas. Mas dois dias da semana, lá estão eles, na Babilônia pregando sua doutrina.”

O politizado repórter reconhece o excepcional dinamismo dos “evangelistas” pentecostais. Na Babilônia, não havia a água encanada, moradias decentes ou saneamento básico. Porém, a Assembleia de Deus marcava excepcionalmente sua presença. Anos depois dessa matéria, ao analisar a expansão da igreja no Brasil na década de 1960, o estudioso Willian Read anotou: “as máquinas de costura Singer, o guaraná e a Assembleia de Deus lá estão presentes”. 

Curiosamente, testemunharam os jornalistas, que naqueles idos de 1940, nem guaraná e muito menos as famosas máquinas Singer se encontravam na favela, onde, diga-se de passagem, faltava quase tudo. Contudo, lá estava, na aridez do morro, dando sentido à vida, a Assembleia de Deus com seus hinos e mensagem de salvação. Verdadeiramente um “oásis” em meio ao deserto de abandono. Riqueza espiritual e moral na triste existência dos habitantes da favela.

Se no Apocalipse, o anjo brada sobre a queda da Babilônia, e exorta o povo de Deus a dela sair; no Rio de Janeiro da década de 1940, os salvos do Senhor cultuam a Deus com fervor ironicamente em outra Babilônia. A primeira é símbolo da dominação maligna; a segunda é o testemunho do poder de Cristo para salvação. Nesse caso ― o da Babilônia carioca, a mensagem poderia ser “Fica nela povo Meu!”

Assim era a Assembleia de Deus: presente onde o povo estava; até na Babilônia.

Fonte: 

Revista da Semana. Rio de Janeiro, nº 40 - 05/10/1946. pág. 08-14.

Comentários

  1. Muito Bom Irmão Mário, fico cada vez mais interessado no seu blog porquê além de falar sobre o evangelho trás ricas histórias que nos levam a pensar o caminha que as igrejas estão indo nesses últimos dias; Pessoalmente falando me trás um despertamento de fazer mais pra Deus. Obrigado !

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  2. Paz do Senhor, meu nobre irmão.
    Gostaria de saber como foi o relato da divisão da AD, com Madureira, à época 1954.

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  3. Esta é a AD foi nos morros e nas ladeiras do RJ que cresceu, sem deixar de ter entre seus membros gente com dinheiro e conhecimento, poucos, sim, mas tb tinha. Os morro foram evangelizados por Marcelino Margarida, Pr Moisés [lá nas áreas da Penha e Vila da Penha, Brás de Pina]. Sendo que a meu papai, os missionários designaram: meu papai Pr José Bezerra Varella, que evangelizou,nos anos 60 a 70 o Morro do Juramento, Morro Alemão, A Grota [nos pés do Morro do Alemão], Nova Brasília [uma comunidade aos pés do Morro do Alvorada, onde lá no fundo, após caminharmos vários minutos em meio a fumaça de fogo e queima de bagaço de cana, chegávamos a casa (e congregação) do irmão Luís, onde tinha Vigília] Morro do Adeus, Morro do Alvorada e outros e eu sempre ia, subíamos até eles, onde havia muito verde ainda.Hoje ali a Igreja de Bonsucesso onde mu papai José Bezerra Varella foi o 1º Presidente, empossado pelo ilustre Pr Alcebíades Pereira de Vasconcelos é uma potência, e dela derivaram muitas outras AD's

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  4. Completando: Pr Moisésfoi sogro de Gesiel Gomes, que chegou na sua Igreja, em Olaria, subúrbio do RJ, Zona da Leopoldina[estrada de trens] e conheceu a sua filha Maura [a outra casou com Napoleão Falcão, outro pregador], ainda,na época, no Exército e já pregava, e seu pai era o Pastor Francisco Assis, muito amigo de papai, que a seu pedido, realizava os casamentos na sua igreja da Ilha do Governador, Pr Assis era um emérito escritor.Mas, o importante no complemento é que pastor Moisés era pastor em Olaria, desde a mesma época das emancipações dadas por São Cristóvão , a sede do RJ, na gestão do Pr Alcebíades Pereira de Vasconcelos, a Bonsucesso, Olaria, Cordovil, Todos os Santos[pastor Agripino] e outras, isto há cerca de mais de 50 anos.Penha e Vila da Penha já eram pastoreadas pelo Pr José Santos e tinha como pastor vice-presidente pr José Santos [homônimo]

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  5. Será que essa igreja permanece até os dias atuais? Há 77 anos?

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