Paulo Macalão e o político "esquerdista"

Paulo Leivas Macalão foi sem dúvida um grande pioneiro nas Assembleias de Deus no Brasil. Evangelizou os subúrbios do Rio de Janeiro, expandiu e consolidou seu ministério em várias cidades e regiões do país. Tornou-se um personagem mítico ainda antes da sua morte em agosto de 1982. Quando seu nome é pronunciado, à lembrança que vem para muitos é do seu conservadorismo em relação a usos e costumes e  de suas composições e versões para o hinário das ADs, a Harpa Cristã.

Mas, há outro lado não muito explorado pela historiografia oficial: as relações do pioneiro com "gente graúda" da sociedade secular. Não é novidade que pastor Paulo era de família militar, e segundo o sociólogo Paul Freston ele "sempre cultivou vínculos" com os mesmos. Mas a foto dessa postagem revela um contato um pouco mais além do líder de Madureira com os "senhores" desse mundo.

Macalão e Café Filho: aproximação inusitada

Nela, Macalão acompanhado de sua esposa Zélia Brito Macalão, entre outros visita (ou recebe a visita), de João Augusto Fernandes Campos Café Filho, ou simplesmente Café Filho. Para quem não sabe, Café Filho assumiu a presidência da República em um momento dramático da história do país, quando Getúlio Vargas em meio a uma crise política suicidou-se em 24 de agosto de 1954. O político originário do Rio Grande do Norte havia sido eleito vice-presidente na chapa que alçou Vargas novamente à presidência do país pelo voto popular em 1950.

Não se sabe, porém, se a visita e a entrega da Bíblia ao proeminente político foram antes ou depois de sua ascensão ao cargo máximo da República brasileira. Pode ter sido o momento em que, o conhecido líder da AD em Madureira convidou Café Filho para desatar a fita simbólica na inauguração do templo sede de Madureira no dia 1º de maio de 1953. O então vice-presidente não compareceu as celebrações, mas enviou para essa honrosa tarefa o coronel Sérgio Marinho.

Há outro detalhe que não pode ser ignorado. Café Filho, ao assumir a presidência com o suicídio de Vargas, tornou-se o primeiro presidente de filiação protestante do Brasil. O político potiguar havia sido criado em uma Igreja Presbiteriana, mas ao contrário de muitos dos seus irmãos de fé, posicionava-se de forma polêmica em alguns assuntos que até hoje são considerados caros para os evangélicos.

Segundo o biógrafo de Getúlio, o jornalista Lira Neto, Café Filho chegou a vice-presidência através de uma imposição do governador Ademar de Barros ao político gaúcho, como condição para apoiá-lo no Estado de São Paulo. Lira Neto ainda informa que, o vice de Vargas era bem "avaliado pela imprensa" e considerado "como um dos melhores e mais atuantes parlamentares daquela legislatura". Entretanto seu nome não agradava aos militares pois era visto como um "político de tendências esquerdistas" e "possuía histórico suspeito pelos senhores da caserna".

O motivo? O político presbiteriano denunciara o golpe do Estado Novo 1937 (feito pelo próprio Getúlio com ajuda dos militares), e defendera o Partido Comunista do Brasil e seus parlamentares quando os mesmos tiveram seus mandatos extintos em 1948. Ainda segundo Lira Neto: "Como não bastasse, (Café Filho) era evangélico e defensor do divórcio, o que o deixava mal, com a Igreja".

"Nenhum católico poderá votar no sr. Café Filho". Essa foi a determinação da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, atendendo ao parecer da Liga Eleitoral Católica (LEC), uma organização civil-religiosa que "se arrogava o direito de vetar e aprovar candidatos". A liga, além de recomendar os eleitores católicos a não votar no deputado potiguar, ainda moveu uma grande campanha contra ele, com o objetivo claro de atingir Getúlio. 

Diante de tal quadro político-eclesiástico, a simpatia do pastor pentecostal Paulo Leivas Macalão por Café Filho, o qual era considerado persona non grata para grande parte dos militares, católicos e evangélicos é algo inusitado. E como esta possível aproximação com um político evangélico, que defendia o divórcio e os "terríveis" comunistas foi recebida por seus companheiros de ministério?

Até onde se sabe, pastor Paulo não foi excluído por isso, nem chamado de herege, ou taxado de comunista como seria nos dias de hoje. Mas suas ligações com políticos controversos lhe cobrariam um preço. Mas isso é outra história. Aguarde!

Fontes:


ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

FERREIRA, Samuel (org.) Ministério de Madureira em São Paulo fundação e expansão 1938-2011. Centenários de Glórias. Cem anos fazendo história 1911-2011 s.n.t.


FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios; interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

NETO, Lira. Getúlio: Da volta pela consagração popular ao suicídio (1945-1954). São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Comentários

  1. Excelente post. Mário, há tempos sigo seu blog lendo e relendo as histórias das Assembleias de Deus. Sou Dra. em Ciências da Religião, pesquiso o pentecostalismo brasileiro, os Ministérios, os pastores-presidente e as congregações. Suas postagens são muito úteis, nos ajudam bastante, como se diz na academia, fontes confiáveis. você é uma pessoa idônea um historiador fiel e trabalha com seriedade. Continue nos ajudando! Parabéns.

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  2. Obrigado! Você poderia entrar em contato comigo através do e-mail que está disponível nesse blog para trocarmos ideias?

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  3. Marina Correa - pesquisadora do pentecostalismo brasileiro (Assembleias de Deus no Brasil)
    prof.ª, Dra. em Ciências da Religião pela PUC-SP. Atualmente estou realizando um pós-doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Federal de Sergipe, sob o tema, as ADs e a sucessão familiar.

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