Pastor Epaminondas e as "doutrinas ferozes"

No início década de 1990, um pastor causou assombro no sul do país. Seus ensinamentos foram considerados esdrúxulos para a Assembleia de Deus, a qual passava por um período de transição com muitos questionamentos sobre os chamados "usos e costumes" de santidade.

Na Assembleia de Deus em Guaratuba, litoral norte do Paraná, o pastor Epaminondas José das Neves, 72 anos, colocava em prática ensinamentos considerados absurdos para a época: a autoexclusão. 

Entrevistado por Judson Canto, editor do jornal catarinense O ASSEMBLEIANO, o líder paranaense especificou sua prática ministerial, onde o membro da igreja não seria mais excluído pelo ministério, mas, ao contrário disso, ele mesmo tomaria tal atitude diante do reconhecimento do seu pecado. Para o veterano pastor, isso evitaria exposição e constrangimentos públicos para os que estavam em erro diante da igreja.

O caso fica ainda mais curioso se considerarmos que o simpático ancião era o mais legítimo representante da "velha guarda" de obreiros assembleianos. Baiano de Caculé, Epaminondas com 21 anos de idade foi residir no Paraná. Convertido ao evangelho, foi separado ao ministério, segundo ele, por "carência", pois não "tinha qualquer cultura e nunca cursei um dia de escola", porém era adepto de "doutrinas ferozes".

Epaminondas: ex-seguidor de "doutrinas ferozes"

O veterano líder deu exemplos das "doutrinas ferozes": a obrigação das mulheres usarem vestimentas com "as mangas dos vestidos fechadas até o punho, e as saias bem abaixo dos joelhos". Os cabelos das irmãs também mereceram atenção do cuidadoso obreiro, sendo que só poderiam "ser trançados, mas sem qualquer enfeite". Sapatos "só de salto baixo, e não podiam usar cinto". Os homens somente poderiam ir ao culto de terno e gravata. E caso o crente inventasse de tomar um simples guaraná ou refrigerante seria excluído sem piedade.

Irônico é o momento da entrevista, na qual Epaminondas relata que certa vez encontrou os pastores catarinenses Satyro Loureiro, Artur Montanha e João Ungur no município de Ibiporã (PR), e ficou escandalizado com eles porque estavam tomando refrigerante num bar. "Esses catarinas não são crentes, não têm doutrina" - pensou ele na ocasião.

Um belo dia porém, Epaminondas andava pelas ruas da cidade de Maringá "quando, de repente, uma espécie de relâmpago" foi ao seu coração. Segundo ele: "Deus num momento me revelou que eu deveria deixar tudo aquilo". Ao expor a sua nova visão a outro pastor, revelou que daquele momento em diante a igreja teria "paz e sossego".

Dessa forma, o saudoso pastor resolveu ser mais "liberal" no seu tratamento com as ovelhas. Abandonou as "doutrinas ferozes" adotando o ensino da autoexclusão. Como não poderia deixar de ser, num ambiente de amplo legalismo, suas ações foram alvo de fortes críticas na denominação. 

Contudo, Epaminondas tinha bons resultados. Quando chegou a Guaratuba a igreja estava em franca decadência com pouquíssimos membros, e na sua gestão o trabalho prosperou com novos templos construídos e aumento considerável do número de membros e batismos.

As memórias do pastor Epaminondas José das Neves servem como boa reflexão sobre questões não muitas vezes relembradas pelos saudosistas e nostálgicos dos velhos tempos da igreja. Casos de transgressões dos estatutos e da "doutrina" denominacional eram abertamente tratados na congregação. Por questões mínimas, um crente poderia ser disciplinado ou excluído, ao sabor do gosto ou desgosto pastoral. Muitos crentes tinham que conviver com um ambiente de rigoroso legalismo e fiscalização da vida alheia.

O conceito de autoridade também é colocado em questão na entrevista. O antigo líder relembrou que era respeitado porque excluía com rigor e "por ser autoritário". Muitas vezes o autoritarismo era tanto, que alguns pastores excluíam um membro na rua mesmo, sem precisar qualquer tipo de mediação. Como a "doutrina", muitos líderes eram "ferozes" com seus rebanhos. 

Mas eram outros tempos, e dentro do contexto social a igreja reproduzia as relações vigentes na sociedade, onde o conceito de líder era o de alguém implacável e ditador. Hoje muitos líderes mudaram sua postura. Os casos de transgressão são tratados com muito mais humanidade e recato, até porque os riscos de processos são grandes. 

Entretanto, autoritarismo ainda permeia os valores do ministério assembleiano. A igreja modernizou-se, mas certas estruturas e a mentalidades ainda não.

Fontes:

O Assembleiano outubro/novembro de 1991. Ano II nº9, p.9.

Comentários

  1. Bom texto! Na época que saiu esta entrevista no jornal O Assembleiano, eu estava em Belém do Pará e ganhei um exemplar que tenho guardado até o momento. O fato é que nas décadas de 50 e 60, a maioria dos crentes assembleianos era de pouquíssima cultura, muitos eram analfabetos mesmos. Por essa razão, e por serem pobres e humildes na forma de andar, no comportamento em geral, tinham na pessoa do pastor, algo assim muito respeitoso, e quando o pastor chegava em algum lugar, era como se o próprio Deus estivesse chegando. Havia muito respeito nessa época com a autoridade pastoral. Por sua vez, o pastor que aprendeu com seu superior, que aprendeu com os missionários suecos, procurava manter aquela rigidez na administração da igreja. A manutenção a todo custo dos costumes adotados, fazia da Assembléia de Deus uma igreja diferente das demais denominações. Isso era bom até certo ponto, pois nessa década houve um grande crescimento da igreja. Por outro lado, a igreja recebia muitas críticas por causa dessa rigidez. Hoje, a cultura do povo se desenvolveu, a liderança também tem outra visão sobre essa questão "bons costumes", porém, a boa doutrina bíblica não mudou. Devemos seguir os mandamentos bíblicos, manter os bons costumes, mas sem exageros. Todo exagero tem que ser tirado. O radicalismo não leva a nada, o liberalismo também é prejudicial. É melhor ser equilibrado.

    ResponderExcluir
  2. De nada adiantou a Assembléia (que era) de Deus por tantos anos ter uma Doutrina tão rígida e do dia para a noite ter aberto as portas para a prostituição em nome de aumentar os lucros com dízimos em ofertas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quem faz declarações no anonimato é digno de credito, por acaso? Mostre a cara, meu. Temos problemas, sim, senhor. Mas a graça de Deus continua para com aqueles que preservam a sã doutrina. E o céu não é para os praticantes do adultério, da mentira, do engodo, da roubalheira., da lascívia, da concupiscência e...
      No céu não entra pecado. Só os que lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Só

      Excluir
    2. Outra, os dízimos foram sempre uma atitude da Igreja. Não para aumentar os lucros. Dízimo não é lucro. É fruto do trabalho do crente fiel a Deus . É fruto do lucro do dizimista. Mt 23.23..

      Excluir
  3. na minha cidade , ela continua como: ASSEMBLEIA DE DEUS! E NAO HÁ NENHUMA PROSTITUIÇÃO NELA!

    ResponderExcluir
  4. Graças a Deus Onde congrego a igreja continua a mesma como a biblia manda por que a Bíblia não mudou

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O que não muda são as Sagradas Escrituras e o Deus que as Inspirou, dizer que a Assembleia de Deus não mudou ao longo desses anos, é querer tapar o Sol com a peneira.

      Excluir
  5. A paz do Senhor Jesus, meus amados irmãos! Fiquei imensamente contente por encontrar um pouco da história do Pr. Epaminôndas José das Neves aqui! Congreguei com ele a partir de 1960 e o conheci como um desbravador do evangelho no extremo noroeste paranaense. Epaminôndas não media esforços para dar assistência às Igrejas que o Espírito Santo confiara sob seus cuidados pastorais. Havia sim, algo de sobrenatural com ele nos primeiros anos da década de 1960: onde ele plantasse uma Igreja, o crescimento era imediato em todos os aspectos, como conversão de almas, formação de Bandas Musicas, batismo no Espírito Santo. Ele batizou minha mãe e uma das minhas irmãs nas águas. Nessa época ele morava na cidade de Paranavaí. O conheci como um Evangelista corajoso e que o povo afluía a ele. Só que, nesses anos de 1960/61/62/63 os próprios crentes não aceitavam muitas coisas que acontecem hoje nas Igrejas. Os próprios crentes dessa época se autodisciplinavam de forma que havia uma notável diferença entre a Igreja e o mundo. A evangelização realizada pelo Pr. Epaminôndas tinha pleno crescimento tanto no quantitativo como no qualificativo. Deixo claro aqui que, em momento algum pretendi desconsiderar as declarações do meus amados. Jorge Albertacci.

    ResponderExcluir
  6. Pr Albertassi, estatisticamente, a igreja cresceu naquela época. Participei da igreja já nos anos 80, como éramos alegres.

    ResponderExcluir
  7. As doutrinas só eram para as mulheres... os homens faziam o que queriam... típico das denominações evangélicas mais radicais.

    ResponderExcluir
  8. Não, não, não meu amado José Ferreira Neto - a doutrina era para todos e da mesma forma os usos e costumes também e principalmente para os pastores. Os que caíssem em pecado grave, principalmente o adultério, para ele ingressar no ministério outra vez eram simplesmente 10 anos, depois caiu pra 5 e atualmente e hoje nem tenho nada a dizer.

    ResponderExcluir
  9. "Não sejas justo demasiadamente " O adultério e a prostituição,em geral,senpre existram no cristianismo desde o primeiro século, e isso não impediu que a Igreja se multiplicar ao longo dos séculos. Os preceitos apostólicos, no tocante a usos e costumes estão intrinsecamente ligados àquele período da história. A Igreja de Cristo é multicultural e comporta-se de acordo com cada cultura. Igreja e Judaísmo têm estruturas diferentes, que não se misturam.

    ResponderExcluir
  10. aceitei a Jesus no fim dos anos 60 e naquele tempo por exemplo um crente não podia sequer ter uma bola de futebol e não podia assistir televisão nem que fosse um simples telejornal imagine assistir novelas como acontece nos dias de hoje não torcíamos por time de futebol e nem discutíamos futebol e a igreja crescia, é claro que o analfabetismo era muito grande mas havia temor e amor, agora se disciplinava por bobagem também. bastava augum irmão discordar da orientação corrente na igreja, o crente daquele tempo tinha medo de ir para o inferno coisa que ultimamente parece que não existe.

    ResponderExcluir
  11. Sou desse tempo das doutrinas rígidas e sinto saudades da velha igreja, sem dúvida os crentes da época, eram crentes de verdade, hoje é uma mistura de mundo e igreja, só Deus para nos ajudar permanecer na graça nesses tempos de apostasia de fé.

    ResponderExcluir
  12. Gostaria de saber se esse pastor era o de Paranavaí nos anos 60, 70, Ele tinha uma pregação muito espiritual

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, ele era de lá de Paranavaí nessa época. Eu congreguei com ele lá.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)