Televisão: o veículo subversivo

O dia 18 de setembro de 1950, foi uma data especial para a história das telecomunicações no Brasil. Neste dia, foi inaugurada oficialmente na cidade de São Paulo, por iniciativa do polêmico empresário e jornalista Assis Chateaubriand a TV Tupi-Difusora. Conforme descreveu o escritor Fernando Morais, Chateaubriand em seu discurso com a presença de políticos, empresários, técnicos e artistas, anunciou a nova mídia como "... o mais subversivo de todos os veículos de comunicação do século, a televisão".

A aposta de Assis Chateaubriand no novo meio de comunicação era grande. Mas na verdade, a TV iniciou no país de forma precária e limitada. Foi com a ajuda de profissionais oriundos do rádio, é que a TV se desenvolveu em suas primeiras décadas. Mas qual impacto que esse meio de comunicação teve nas Assembleias de Deus no Brasil?

Pelos registros históricos, a TV - assim como o rádio - foi considerado realmente subversivo como previu Chateaubriand, porém no sentido pejorativo do termo. É conhecida entre os estudiosos da denominação, a grande dificuldade de aceitação dos principais veículos de mídia por parte da liderança da AD nacional. O rádio foi proibido durante muito tempo, e somente com o tempo seu uso na evangelização e, principalmente, no lar dos assembleianos foi autorizado.

Divulgado no MP o canal 23 advertia contra os perigos da TV
Com a TV não foi diferente. Foram anos de intensos debates na CGADB acerca dos males que a utilização desse aparelho causava na vida espiritual dos crentes. Segundo Isael Araújo, as discussões sobre a televisão começaram nas reuniões convencionais de 1957, se estendendo até meados da década de 1970. Praticamente, a grande maioria dos líderes da AD repudiavam o aparelho, seus programas e sua presença nas casas dos fieis. Araújo, ainda descreve vozes discordantes do pensamento conservador da liderança, mas a hegemonia dos antigos pastores prevalecia nas decisões.

Como principal porta-voz dos conservadores estava o Mensageiro da Paz. É nas páginas desse periódico, que vão ser denunciadas com veemência os perigos da TV para a vida cristã. São vários os artigos de orientação e advertências sobre a programação televisiva. No MP de abril de 1967, Francisco de Assis Gomes usa o termo "tevesiolatria", para advertir sobre os malefícios da TV. Aliás, o pastor Assis, já havia em outro texto utilizado a expressão "radiolatria" para criticar o uso indevido do rádio.

O termo "televisiolatria" usado pelo pastor Gomes não é gratuito. A partir de meados da década de 60, a TV começa seu período de popularização, com considerável aumento dos aparelhos nos lares dos brasileiros. Com maiores inovações tecnológicas, e a invenção do videoteipe no início dos anos 60, as emissoras criaram uma estratégia que possibilitava a apresentação de um mesmo programa vários dias da semana. Criava-se assim no país, o hábito de assistir televisão, em dias e horários determinados pela emissora, conforme seus interesses comerciais. Surge então a "televisolatria".

Símbolo da modernidade, instrumento de propagação ideológica capitalista, a TV difundia valores de uma classe média urbana, pois era feita por eles e para eles. Esses valores se chocavam frontalmente com o estilo de vida da grande maioria da população brasileira oriunda do campo. A programação televisiva, nesse sentido, era realmente subversiva, pois não respeitava a mentalidade e as convenções sociais do trabalhador rural, o qual se deslocava para a cidade em busca de um futuro melhor para sua família.

Isso explica em parte, a enorme resistência dos líderes assembleianos em relação a TV, muitos aliás de origem campesina, pois o aparelho e sua programação deixava o crente em contato com os valores de uma classe secularizada. Ou seja, o assembleiano colocava o "mundo" para dentro de sua casa, entrava em contato com "outros" valores, assimilava em seu viver o estilo de vida burguês. Era realmente uma ameaça. Por isso a proibição unilateral, a disciplina e exclusão de algum membro que ousasse possuir tal aberração. Chateaubriand nem imaginou, o quão proféticas seriam suas palavras para as ADs no Brasil.

Fontes:

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

MATTOS, Sérgio Augusto Soares. História da televisão brasileira – Uma visão econômica, social e política. 4.ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009.

MENSAGEIRO DA PAZ de abril de 1967. Rio de Janeiro: CPAD. 

MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. A vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

MOTA, Alice Agnes Spíndola. A Influência da Televisão no Desenvolvimento Regional da Zona Rural no Município de Palmas-TO.Palmas. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins, Curso de Mestrado em desenvolvimento Regional e Agronegócio, 2010.

Comentários

  1. Prezado Mário Sérgio, gostaria de salientar o seguinte: a internet é milhões de vezes mais perigosas que TV e rádio juntos, curiosamente, ninguém se levantou contra! É um mistério que talvez nunca entendamos.

    ResponderExcluir
  2. Em tempo, a televisão ainda é uma ameaça a uma vida de santidade. Se lhe devotarmos tempo e atenção de tal forma que atrapalhe nossa ida à igreja, por exemplo...

    ResponderExcluir
  3. E olha que a programação da TV piorou muito Daladier. É uma verdadeira "caixa" de alienação cultural.

    ResponderExcluir
  4. rsrs... uai, mas essa paródia aí do Salmo 23 deve ser de Deus mesmo, pois se cumpre à risca nos dias de hoje...

    ResponderExcluir
  5. A TV realmente com esses programas sujos e pornográficos em sua maioria não deve fazer parte do cotidiano do crente fiel em Jesus!

    ResponderExcluir
  6. Nobre Daladier, eu creio que isso se deu pelo fato da televisão surgir em um período muito obscuro em termos de tecnologia, o que causou expectação etc. E era muito mais fácil de usar. Quando a internet surgiu nos anos 90, dá tecnologia digital já estava preparado. E já estávamos em outro momento da história assembleiano.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O caso Jimmy Swaggart - 30 anos depois

Iconografia: quadro os dois caminhos

Assembleia de Deus e a divisão em Pernambuco (continuação)